A minha crónica semanal no Jornal Torrejano.
Se a política não se confunde com a moral, isso não significa que o
comentário sobre a realidade social e política não deva ter um conteúdo moral.
Umas das coisas que a actual crise revelou foi o profundo cinismo de muitos
comentadores, a forma como se eximiram de analisar o carácter moral das
decisões, fingindo que essas decisões eram meramente técnicas. Isto nada tem
que ver com a tradicional divisão entre esquerda e direita. Houve gente, e não
tão pouca quanto isso, que na direita assinalou o carácter imoral das políticas
seguidas.
Hoje começamos a perceber melhor a raiz dessa imoralidade. Começa a
chegar à opinião pública informação que desmonta a retórica do governo e das
instâncias internacionais que nos atiraram para o alçapão onde nos encontramos.
O próprio FMI já veio dizer que os programas seguidos na Grécia, na Irlanda e
em Portugal foram errados, que teria sido melhor reestruturar as dívidas. Mas
não só. Emerge, na opinião pública, a ideia de que a crise das dívidas
soberanas não foi outra coisa senão uma manobra para fazer pagar aos
contribuintes os investimentos tresloucados da banca europeia. Dito de outra
maneira, os investidores europeus andaram a jogar com o dinheiro dos bancos.
Perderam, mas os governos e as instituições europeias obrigaram os países do
sul – onde parte desses investimentos tresloucados tinha sido feita – a pagar o
desvario especulativo da banca europeia.
A imoralidade dos comentadores, assinalada mais acima, reside no
simples facto de terem ocultado sistematicamente esta informação, de terem
raciocinado a partir do pressuposto de que os verdadeiros culpados da crise das
dívidas soberanas são os povos do sul, o Estado social, os funcionários
públicos, as pequenas e médias empresas do sul da Europa e os trabalhadores por
conta de outrem. Para tornar clara a imoralidade, imaginemos o seguinte
cenário. Os juízes julgam um réu que sabem que está inocente. Sabem a sua
inocência e conhecem o culpado, mas mesmo assim optam por condenar o inocente e
justificar, em nome da verdade e da justiça, essa condenação. Foi que se passou
em Portugal. É isto que continua a passar-se, quando se continua a legitimar o
conjunto de políticas em vigor. Se a acção política não é o lugar da verdade e
da moralidade, o comentário e a intervenção dos cidadãos deve ter por efeito
exigir a verdade e fazer com que as elites políticas se comportem dentro dos
limites da justiça. O que vimos, porém, foi, muitas vezes, um exercício nada
virtuoso de cinismo e falsificação da realidade.
O que mais incomoda em determinados comentadores, não é o ridículo de algumas afirmações ou o constante recurso a uma certa "monologação inventiva" acerca da realidade política, o que mais incomoda é o seu jogo de cintura, o uso e abuso do duplo padrão, com que avaliam as situações e os protagonistas.
ResponderEliminarUm abraço
Sim, esse jogo de cintura - ou falta de vergonha - é muito revoltante. Mais, é sempre gente muito feroz com os fracos, mas submissa com os fortes. É, também, um problema de carácter, infelizmente.
EliminarAbraço