sexta-feira, 18 de julho de 2014

O Bloco de Esquerda

A minha crónica semanal no Jornal Torrejano.

As eleições europeias, a saída de Ana Drago e as divergências da corrente afecta à antiga UDP vieram tornar claro – ainda mais claro – a profunda crise em que navega o Bloco de Esquerda (BE). Têm sido avançadas duas causas para essa crise. Por um lado, a confusa liderança bicéfala de João Semedo e de Catarina Martins. Por outro, a indefinição estratégica do partido: partido de mera contestação ou partido com vocação para exercer o poder?

De facto, num país como Portugal, não lembra a ninguém propor uma solução de liderança tão confusa como a do BE. Confusa e frágil. Ninguém, fora do BE, compreende qual a virtude política que suporta a posição de Catarina Martins. Quanto a João Semedo, um respeitável deputado, ele é a prova de que não basta ter excelentes qualidades morais e políticas para ser um líder político forte.

A questão estratégica também é importante. Os potenciais eleitores perguntam-se: para que serve o BE? Será um eterno sinal do nosso descontentamento, ou terá, nas circunstâncias que são as nossas, alguma coisa construtiva a fazer a partir do poder? Esta angústia do hipotético eleitorado do BE – muito diferente do do PCP – acaba por repercutir-se dentro do partido e levá-lo à indefinição onde naufraga.

O problema do BE, porém, é outro. Quando emergiu, a partir de uma amálgama de grupos de extrema-esquerda, apresentou-se como um produto inovador no mercado eleitoral. Tinha gente inteligente e, acima de tudo, gente com um certo glamour. Os seus deputados vestiam bem, em estilo negligé cuidadosamente meditado, eram socialmente interessantes e a sua oratória, eventualmente revolucionária, não era, no que diz respeito à natureza revolucionária, levada a sério. O BE atraiu alguns apoios populares – poucos, diga-se. O seu eleitorado vinha, em grande parte, das classes médias - médias altas, inclusive – instruídas, socialmente vividas, diferenciadas, marcadas por um radicalismo existencial próximo dos liberais norte-americanos (não confundir com os liberais europeus).


O problema do BE é que o glamour desapareceu, algumas causa radicais passaram à letra de lei, as pessoas interessantes começaram a afastar-se do partido e os intelectuais estão em deserção. Aquilo que era um belo produto do mercado eleitoral – mesmo um filho família poderia dizer em casa ou em sociedade que era do BE – começou a envelhecer. Ora num mundo como o nosso, não há nada pior do que a velhice. O problema do BE não é tanto a liderança ou a estratégia, mas a perda da sua natureza ontológica, o glamour. Ao perder o glamour, o BE passou de moda. E quem quer vestir um casaco que passou de moda?

2 comentários:

  1. O BE nasceu de uma aliança contra-natura (Estaline - Trotsky e outros). Metaforicamente falando, a "picareta" (e tudo o que ela significa) do primeiro nunca deixou de estar em riste.
    Enquanto o barco seguiu de vento em popa a viagem decorreu sem sobressaltos, salvo um ou outro acidente de percurso, até chegou a ser atractiva.
    O falecimento de Miguel Portas, primeiro, a que se seguiu o afastamento de Francisco Louça e de outras figuras, têm provocado o óbvio ululante: O partido vai ficando residual, só não vê quem não quer.
    Eu não gosto, porque não gosto de ver a esquerda a implodir. Mas vejo...
    Bom fim-de-semana

    Um abraço

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    1. A aliança entre estalinistas e trotskistas foi possível porque o motivo de divisão tinha implodido. Mas as velhas guerras de seitas, mal passou a maré-cheia, voltou ao que tinha sido nos anos sessenta e setenta do século passado. Depois, há demasiados egos dilatados e pouca capacidade para aceitar uma disciplina que qualquer organização política exige.

      Bom fim-de-semana,

      Abraço

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