Jorge Carreira Maia - Humanitas I (2014)
O horizonte era marcado pelas grandes montanhas de leste, linhas ameaçadoras
que iam e vinham ao sabor da névoa e do vento, trazendo os odores da floresta, a
velha floresta que subia as encostas escarpadas e colonizava os breves
planaltos. Entre ele e a estranha montanha erguia-se uma mulher. Jovem? Bela?
Ainda hoje, não o sabe dizer. Ela nunca se virou para ele. Segurava a câmara fotográfica
e disparava sobre a imensa massa de pedra que escorria do horizonte. Quando as
grandes aves de rapina cruzavam os céus, concentrava-se no voo e carregava
continuamente no botão, como se quisesse guardar alguma lição. Quanto tempo
passou? Também não o sabe dizer. Sabe apenas que o desejo daquele corpo de
mulher começou a germinar no fundo de si, enquanto ela acompanhava o voo das
águias e tentava prendê-lo no tempo fotográfico de um instante. O desejo
crescia à medida que o corpo, agora grácil e leve, procurava as aves para delas
colher a imagem, talvez a alma, o espírito. Quando o sol começou a declinar, o desejo tornou-se
– pobre dele – insuportável e, perdido na tensão do crepúsculo, levantou-se
embriagado por Eros e deu uns breves passos em direcção à mulher. Terá ela
ouvido? Não se mexeu. Quando os dedos dele se preparavam para lhe tocar, ela
ergueu-se e os seus braços eram agora asas. Sempre que recorda aquela hora, apenas entrevê a enorme águia que volteava sobre a sua cabeça. Depois, a ave
aproximou-se e olhou-o – jura que era um olhar de desejo – nos olhos, como se chamasse por ele, e
partiu em direcção à montanha. Nunca descobriu como, na confusão do momento, a
máquina fotográfica da mulher ficou presa nos seus dedos.
Sublime.
ResponderEliminarUm abraço
Muito obrigado, JRD.
EliminarAbraço
Belíssimo!
ResponderEliminarMuito obrigado, Maria.
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