A minha crónica semanal no Jornal Torrejano.
Hoje em dia parece que há um mal,
uma doença a infectar o mundo.
(Christopher
Isherwood, Adeus a Berlim, p. 250)
Quando Isherwood, no romance Adeus
a Berlim, põe a frase em epígrafe na boca de Herr Brink, estava-se nos anos
trinta do século passado. A frágil república de Weimar declinava e a Alemanha,
pelas mãos do marechal Paul Ludwig von Hidenburg, então Presidente da
República, entregava-se no atoleiro sangrento e irracional do nazismo. Não é
irrelevante saber que o velho marechal detestava Hitler. Aliás, tinha-se
candidatado à Presidência da República com 82 anos para evitar a eleição desse
mesmo Hitler. Essas idiossincrasias pessoais, contudo, não foram suficientes
para evitar a entrega do poder aos nazis e a terrível desgraça que se abateu
sobre o mundo. A doença infecciosa era já uma verdadeira pandemia e não houve
forma de a evitar.
Quando em finais de Março de 2010, poucos meses antes de morrer, o
historiador Tony Judt publica Ill Fares
the Land (em português: Um Tratado
Sobre os Nossos Actuais Descontentamentos), é, de novo, a ideia de que há
uma doença a infectar o mundo que vem ao de cima. Não se trata do
irracionalismo nazi, mas da quebra do equilíbrio político – quebra trazida
pelas governações de Thatcher e Reagan – que permitiu três décadas de paz,
prosperidade e justiça social no mundo ocidental. Passaram agora quatro anos da
morte de Tony Judt e a doença de que falava não parou de crescer, numa
multiplicação imparável de metástases que auguram o pior.
A situação caótica no Médio Oriente, o recrudescimento das actividades
do islamismo radical, as conversões ao Islão de jovens europeus, o clima de
profunda desconfiança dos cidadãos nas elites políticas e económicas, os
escândalos financeiros, o crescimento dos partidos de extrema-direita, as
crises das dívidas soberanas e o regresso da guerra à Europa, no conflito
ucraniano, tudo isto são sintomas de uma doença que tem, de uma forma ou de
outra, origem no triunfo do radicalismo liberal e no desfazer do chamado pacto
social-democrata que governou o Ocidente por várias décadas.
O que distingue a nossa situação actual da situação vivida na Alemanha
dos anos trinta do século passado? O irracionalismo nazi ainda se apresentava
de forma sólida e trazia consigo uma configuração – embora trágica e criminosa
– para o mundo. A doença actual é diferente. Ela é apenas dissolvente. Não traz
consigo nenhuma alternativa, não apresenta aos homens um mundo possível. O que
estamos a presenciar, nestes dias infectos, é a cada vez menos lenta dissolução
de todas as instituições, modos de vida e maneiras de pensar. Tudo se desagrega
como se uma terrível noite estivesse para chegar e nada mais houvesse para além
dela.
Hiroshima em câmara lenta?
ResponderEliminarAs consequências poderão vir a ser bem mais abrangentes do que as de Hiroshima, bem mais radicais, embora Hiroshima possa marcar uma fase decisiva na degradação moral dos homens.
EliminarO radicalismo liberal -não esqueçamos- foi o vírus causador de todas estas maleitas infecciosas de que o mundo actual enferma.
ResponderEliminarNão sei se há vacina e, pior, se há quem a descubra e a aplique.
Bom fim-de-semana
Abraço
Os gregos - na sua ética - pensaram uma resposta, a justa medida, o nada em excesso. Foi este equilíbrio sábio e sensato que o radicalismo fanático dos liberais destruiu, estando a doença a devorar o corpo social.
EliminarBom fim-de-semana.
Abraço