Jorge Carreira Maia - My foolish world VIII (2014)
Para nós, clínicos, o que mudou [na organização do trabalho] foram
principalmente três coisas: a introdução de novos métodos de avaliação do
trabalho, em particular a avaliação individual do desempenho; a introdução de
técnicas ligadas à chamada “qualidade total”; e o outsourcing, que tornou o trabalho mais precário.
A avaliação individual é uma técnica extremamente poderosa que
modificou totalmente o mundo do trabalho, porque pôs em concorrência os
serviços, as empresas, as sucursais – e também os indivíduos. E se estiver
associada quer a prémios ou promoções, quer a ameaças em relação à manutenção
do emprego, isso gera o medo. E como as pessoas estão agora a competir entre
elas, o êxito dos colegas constitui uma ameaça, altera profundamente as
relações no trabalho: “O que quero é que os outros não consigam fazer bem o seu
trabalho.”
Muito rapidamente, as pessoas aprendem a sonegar informação, a fazer
circular boatos e, aos poucos, todos os elos que existiam até aí – a atenção
aos outros, a consideração, a ajuda mútua – acabam por ser destruídos. As
pessoas já não se falam, já não olham umas para as outras. E quando uma delas é
vítima de uma injustiça, quando é escolhida como alvo de um assédio, ninguém se
mexe… [Público, Entrevista
a Christophe de Dejours]
Esta entrevista ao Público, do psiquiatra e psicanalista Christope de Dejours, merece ser lida de uma ponta a outra com muita atenção (a entrevista, de 2010, já não está disponível on-line). Christophe de Desjours mostra como os locais de trabalho se tornaram, ou estão a tornar, em espaços concentracionários de natureza absolutamente totalitária. Escolhi o excerto acima, mas poderia ter escolhido qualquer outro da entrevista. É este modelo totalitário que está a ser importado para os serviços públicos. Por exemplo, era isto, e ainda é, que o Ministério da Educação queria, e quer, impor aos professores.
Não pretendo comentar aquilo que de político e social se manifesta
aqui, nem tecer considerações sobre o carácter dos indivíduos que advogam este
tipo de coisas e as põem em prática. Interessa-me, antes, voltar à questão da gaseificaçãoda cultura. Não são apenas os produtos que são construídos para a ruína,
para a sua rápida destruição na esfera do consumo. A ruína e a destruição dos
próprios funcionários e gestores - muitas vezes é também esse o caso - é um
elemento central da hipermoderna organização do trabalho. Sob a capa da
avaliação de desempenho e da "qualidade-total", e com a ameaça de outsorcing no horizonte, o que se
desenha é um cenário onde o elemento central é a destruição de tudo o que é
puramente humano, desde as relações interpessoais de trabalhos até, em última
instância, aos próprios indivíduos.
Outro aspecto particularmente interessante é a inevitabilidade de tudo
isto. Não está nas mãos dos indivíduos parar este tipo de acontecimentos,
apesar de aqui ou ali eles poderem ser refreados. Se alguém os parar numa
empresa, ela acabará por ceder o seu espaço de mercado a uma outra que fará ou
mesmo ou pior. Através deste modo de organização do trabalho, e dos valores
sociais que o exigem, manifesta-se um modo de ser que opera muito para lá
daquilo que é puramente humano. É como se um desejo ontológico de ruína e de
destruição tocasse tudo aquilo que serve de base ao nosso modo de existência.
Para além das luzes brilhantes do espectáculo em que tudo se tornou, Thanatos faz o seu serviço. Mas o
que há de novo, não é a presença do impulso de morte. Ele sempre existiu. A
novidade é que ele deixou de ter contraposição. O mundo hipermoderno se não
matou Eros, reduziu-o a uma caricatura. A deserotização da produção,
característica do mundo criado a partir da Revolução Industrial, tem por função
a criação de produtos que funcionem como um vácuo para o desejo dos
consumidores. Da produção ao consumo, passando pelo produto, tudo é marcado por
um impulso voraz de aniquilamento. O amor, Eros,
que cria laços entre os seres humanos e entre estes e aquilo que os rodeia, é
agora uma sombra delida, uma sombra escondida por detrás dos ciprestes que
crescem no enxame de cemitérios que se escondem por todo o lado. (averomundo, 2010/02/02)
A competição é um flagelo que condiciona os homens a cada momento. A faca nas costas, a denúncia, a armadilha torpe e as consequências do desencanto, da renúncia e da depressão.
ResponderEliminarCom o tempo é assim que se conquista um lugar à sombra dos ciprestes.
Um abraço
O que acho preocupante não é a competição, mas o facto desta não ter limites. mais uma vez retorno à justa medida dos gregos. O equilíbrio e o nada em excesso são essenciais para a vida em sociedade. O que se está a passar é um processo da auto-destruição. Os agentes da morte tomaram conta da vida.
EliminarAbraço