Emil Hansen - Dark Sea (Green Sky)
Primeiro era a
perfeição indefinida,
antes de o céu e a
terra nascerem,
imóvel e silenciosa,
só e imutável;
a tudo envolve e
protege
Lao
Tse, Tao Te King, XXV
Quando quis desenhar uma constelação, não soube a posição que deveria
atribuir a cada uma das estrelas. Depois, descobriu que não sabia o nome de
qualquer uma delas, e fechou os olhos. Que mensagem esta súbita ignorância lhe
enviava? A que estranha aprendizagem o seu desejo o conduzia? Era um cartógrafo
experimentado. Durante anos desenhara os mapas da terra. Fizera-o com amor e um
desejo insuperável de tornar a carta mais bela do que o território, tal como um
dia alguém descobrira ser possível. A solidez da terra porém cansara-o. Cartas
físicas ou mapas políticos tornaram-se um exercício enfadonho, desprovido de inquietação,
incapaz de o fazer mergulhar nos segredos mais fundos da ciência. Era tarde
para se dedicar a outra arte. Depois de uma ligeira depressão, descobriu um
novo caminho: cartografar os céus. Com uma condição: trabalhar como os antigos
astrónomos, sem instrumentos, nem sequer um pequeno telescópio de criança.
Vendera tudo e escolhera, para viver e trabalhar, uma região onde as estrelas,
pela noite, ainda fossem visíveis.
Trabalhou arduamente. Passou noites olhando os céus, gizando esboços,
fazendo planos. A imensidão do empíreo, contudo, distraia-o. Mergulhava os
olhos no manto branco da Via Láctea e ficava silencioso horas e horas, até que
a aurora o despertava e o devolvia à condição humana. Depois de muitas noites e
dias de meditação, decidira começar a cartografar as constelações. Não as
velhas constelações conhecidas da humanidade, mas aquelas que os seus olhos iam
descobrindo a partir de um jogo de acasos. Estranhas combinações entre estrelas
nunca antes associadas. Fez esboços, criou planos, observou o trabalho de
muitos pintores geométricos. As ideias fervilham no seu cérebro. Uma nova
geografia dos céus iria nascer. Até que, na hora em que ia fazer o mapa da
primeira constelação, a ignorância invadiu-o e paralisou-o.
Não se deixou abater e entregou-se assim ao destino. O que lhe queria dizer
aquele não saber? Não seria um sério aviso sobre a inutilidade da cartografia?
Para além da terra e do céu não haveria outra coisa mais importante e decisiva?
Esta pergunta atormentou-o durante meses. Que caminho deveria seguir para
encontrar uma resposta? Não seriam terra e céu o todo para além do qual nada
mais haveria? Quando o tormento atingiu o paroxismo, ele abandonou qualquer
preocupação com o enigma. Deitou-se exausto e adormeceu. Sonhou. No sonho viu
a terra e os céus a desfigurarem-se lentamente, muito lentamente, como se cada
uma das suas partes perdesse os contornos, se transformasse numa emulsão de
células que logo se desfaziam e tudo perdesse a rígida definição a que a vida o
habituara. A princípio via-se no próprio sonho como um espectador perante o
colapso do universo. Depois, sentiu fundir-se, e ele era o próprio universo que
se fundia e assim se libertava da prisão das formas, da rigidez dos contornos, do
império das fronteiras. A sua consciência sonhadora era aquela grande coisa
solitária, imutável, imóvel e silenciosa que era anterior aos céus e terra e
que, ao mesmo tempo, era os céus e a terra. Perdido nessa indefinição,
descobriu a perfeição daquilo que é, descobriu que não havia limites,
fronteiras, traços, mapa algum para desenhar.
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