Umberto Boccioni - Peasants at Work (1908)
Um artigo de um médico psiquiatra, no Público, argumentava que a jornada de trabalho de 40 horas, na função pública, era um erro político. E adiantava que a questão da produtividade não está directamente relacionada com o tempo passado nos empregos. Um tempo excessivo, aliás, é contraproducente, pois o cansaço que provoca diminui a produtividade, tornando mesmo as pessoas mais susceptíveis a cometer erros. Em Portugal, nos últimos anos, instalou-se um clima em que os horários de trabalho formais e informais (eufemismo que estou a usar para designar trabalho não pago) não deixam de crescer, transformando uma parte substancial dos portugueses em meros animais produtores. No entanto, o que é interessante nesta moda não é o aumento das mais-valias, para usar o jargão marxista, apropriadas pelos empregadores. Muito provavelmente com horários mais curtos e trabalho devidamente pensado e organizado obteriam mais rendimento e maiores lucros.
O problema é outro. O que está em jogo, nas relações de trabalho num país como o nosso, não é a produção de riqueza ou o aumento de produtividade. O que está em jogo é a relação de poder, o jogo da dominação e da submissão. Aquilo que que cada um de nós tem de mais precioso é o tempo, a duração da sua vida. Ora não há forma de dominação mais clara do que aquela que é imposta sobre o nosso tempo. O governo decretou as 40 horas para a função pública não para a tornar mais competitiva. Não tornou. Decretou para humilhar as pessoas que lá trabalham e para legitimar as humilhações que os privados se entretêm, com honrosas excepções, a fazer sobre aqueles que precisam de trabalhar por conta de outrem. O que está em jogo não é a economia, nem a produtividade, nem a riqueza. O que está em jogo é a diferenciação social, a afirmação dos pequenos poderes privados, o exercício da humilhação, o facto de alguém poder impor ao outro, para lá do necessário, a sua dominação.
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