Tintoretto - The Miracle of St Mark Freeing the Slave (1548)
Sosícrates conta, nas suas
Sucessões, que Leão, tirano de Fliunte, perguntou [a Pitágoras] quem ele era:
«Um filósofo», respondeu. [Pitágoras] comparava a vida aos grandes jogos. Na
multidão que neles está presente há três grupos distintos: uns vêm para lutar,
outros para fazer comércio, e os outros, que são os sábios, contentam-se em
olhar. Também na vida, uns nasceram para ser escravos da glória, outros do
engodo do lucro, e outros, que são os sábios, apenas visam a verdade. (Diógenes
Laércio, “Vidas, doutrinas e sentenças de filósofos ilustres”)
Há nestas palavras atribuídas a Pitágoras um destino que marcou a
cultura ocidental: a busca da verdade como um modo de vida que vale a pena
ser seguido. Este compromisso com a verdade, todavia, aparecia em contraponto à
procura da glória e da riqueza. Isto marcaria uma incompatibilidade genética
entre a sabedoria e o reconhecimento, dado na glória, e os bens materiais. Não
é apenas esta contraposição que é decisiva. A sua adjectivação implícita não é
menos importante. Perseguir a glória ou a riqueza é uma forma de escravatura.
Só a verdade emancipa e liberta. Esta ideia que se vai propagar com o
platonismo está preparada para, séculos depois, se fundir com o cristianismo e
a sua ascese centrada em Cristo, como aquele é que é o caminho, a verdade e a
vida. Duas tradições diferentes convergem aqui: a verdade é não apenas uma
forma de libertação mas ainda de salvação. Estas tradições perderam, actualmente, qualquer força de atracção. A verdade tornou-se, no melhor dos casos,
uma ideia reguladora que será perseguida indefinidamente mas nunca alcançada.
Concomitantemente, a busca da glória e a corrida atrás do lucro tornaram-se os
factores fundamentais da vida social e da construção das subjectividades. No dias que correm, a questão central não é a verdade e a
libertação que ela pode trazer consigo. A questão central é mesmo tornarmo-nos
escravos da glória e do dinheiro. Escravos e idólatras.
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