A
minha crónica semanal no
Jornal Torrejano.
As eleições europeias, a saída de Ana Drago e as divergências da
corrente afecta à antiga UDP vieram tornar claro – ainda mais claro – a
profunda crise em que navega o Bloco de Esquerda (BE). Têm sido avançadas duas
causas para essa crise. Por um lado, a confusa liderança bicéfala de João
Semedo e de Catarina Martins. Por outro, a indefinição estratégica do partido: partido
de mera contestação ou partido com vocação para exercer o poder?
De facto, num país como Portugal, não lembra a ninguém propor uma
solução de liderança tão confusa como a do BE. Confusa e frágil. Ninguém, fora
do BE, compreende qual a virtude política que suporta a posição de Catarina
Martins. Quanto a João Semedo, um respeitável deputado, ele é a prova de que
não basta ter excelentes qualidades morais e políticas para ser um líder
político forte.
A questão estratégica também é importante. Os potenciais eleitores
perguntam-se: para que serve o BE? Será um eterno sinal do nosso
descontentamento, ou terá, nas circunstâncias que são as nossas, alguma coisa
construtiva a fazer a partir do poder? Esta angústia do hipotético eleitorado
do BE – muito diferente do do PCP – acaba por repercutir-se dentro do partido e
levá-lo à indefinição onde naufraga.
O problema do BE, porém, é outro. Quando emergiu, a partir de uma
amálgama de grupos de extrema-esquerda, apresentou-se como um produto inovador
no mercado eleitoral. Tinha gente inteligente e, acima de tudo, gente com um
certo glamour. Os seus deputados
vestiam bem, em estilo negligé
cuidadosamente meditado, eram socialmente interessantes e a sua oratória,
eventualmente revolucionária, não era, no que diz respeito à natureza
revolucionária, levada a sério. O BE atraiu alguns apoios populares – poucos,
diga-se. O seu eleitorado vinha, em grande parte, das classes médias - médias
altas, inclusive – instruídas, socialmente vividas, diferenciadas, marcadas por
um radicalismo existencial próximo dos liberais norte-americanos (não confundir
com os liberais europeus).
O problema do BE é que o glamour
desapareceu, algumas causa radicais passaram à letra de lei, as pessoas
interessantes começaram a afastar-se do partido e os intelectuais estão em
deserção. Aquilo que era um belo produto do mercado eleitoral – mesmo um filho
família poderia dizer em casa ou em sociedade que era do BE – começou a
envelhecer. Ora num mundo como o nosso, não há nada pior do que a velhice. O
problema do BE não é tanto a liderança ou a estratégia, mas a perda da sua natureza
ontológica, o glamour. Ao perder o glamour, o BE passou de moda. E quem
quer vestir um casaco que passou de moda?