A minha crónica semanal no Jornal Torrejano.
O problema do trabalho e do envelhecimento é um tema
profundamente preocupante e que manifesta uma das questões centrais dos
nossos dias, aquela que torna evidente a natureza absurda das
sociedades que estão a ser construídas. A contradição é simples. As
empresas, movidas pela concorrência, querem, e estão a conseguir,
libertar-se dos trabalhadores mais idosos. Pessoas com pouco mais de 40
anos começam a ser vistas como peso morto e incapazes de dar o
rendimento que a economia concorrencial exige. Por outro lado, os
sistemas de aposentação exigem que as pessoas se reformem cada vez mais
tarde. Sendo os subsídios de desemprego efémeros, a pergunta que se faz é
simples: o que vão as pessoas sem trabalho, cada vez em maior número,
fazer? Vão viver até à reforma com um rendimento mínimo garantido? Vão
tornar-se pedintes e sem abrigo? Vão morrer à fome? Vão ser executadas
por crime contra os mercados?
A economia foi uma criação humana e tinha como finalidade servir as
pessoas, responder às necessidades destas, permitir-lhes que elas
vivessem. Antes da economia ser um sistema de trocas num mercado
regulado pela oferta e pela procura, ela era a forma de uma casa, de um
família, fazer frente às necessidades que a nossa condição de seres
vivos impõe. Subjacente a esta realidade, estava a ideia de que o ser
humano era a figura central da economia, que esta existia para ele.
Aquilo que se passa hoje em dia – e que é a intensificação levada ao
paroxismo da tendência geral dos último séculos – é que os homens são
meros servidores da economia, puros objectos que se podem descartar
quando é mais útil substituí-los por outros mais jovens ou por máquinas.
Isto é o sintoma de uma profunda crise. Mas esta crise não é
económica ou política. É uma crise espiritual, uma crise que reflecte a
perda de sentido do próprio homem, o fim da sua dignidade. Na nossa
tradição ocidental, a dignidade humana tinha duas fontes. O homem era
digno, segundo a religião, pois era feito à imagem e semelhança de Deus.
Segundo a filosofia, o homem era digno pois era dotado de razão e, por
isso, capaz de seguir os seus próprios fins. Com a erosão da religião
cristã e a transformação da razão em mero instrumento de cálculo, o
homem de filho de Deus ou de ser racional autónomo transformou-se numa
mera coisa animada. Retomando um dos temas com que iniciei, há muito
anos, as crónicas neste jornal, pode-se dizer que vivemos numa era
pós-humana, a era em que a humanidade, espiritualmente cega, se está a
tornar, para si mesma, coisa descartável.
Não quero ser mal interpretado. Mas será que Deus se distraiu ou confiou demais no bicho-homem?
ResponderEliminarDesejo-lhe um bom fim-de-semana
O problema não está em Deus (ou na razão), mas nas representações que os homens fazem. Quando o homem deixa de se representar a si como filho de Deus ou deixa de se representar como ser racional dotado de uma dignidade devido à razão, então as representações que restam fazem do homem uma coisa descartável. Para o caso não é relevante a questão da existência de Deus, mas aquilo em que os homem acreditam. É a célebre frase do Dostoievski "se Deus não existe então tudo é permitido", o que significa a desregulação total, o caos - como estamos a ver acontecer diante dos nossos olhos.
EliminarA questão de Deus não é, em primeiro lugar, religiosa, mas política, social e, provavelmente, biológica (uma estratégia de propagação da vida).
Um bom fim-de-semana.
Abraço