O digno tem suas raízes no humilde,
o alto tem suas bases no baixo.
Por isso,
príncipes e reis se intitulam:
órfãos, viúvos, indigentes.
Lao
Tse, Tao Te King, XXIX
Quem dispõe
da vida para determinar o acontecer de cada hora? Quem dispõe do mundo para
seguir o caminho que o seu desejo faz imperar? São os homens frágeis ervas sob
o sopro do vento. Inclinam-se e, se à intempérie opõem a dura força, logo o
caule se quebra e o corpo fica por terra, sombra da sombra esquecida, cinza e
pó que à cinza e ao pó retornam.
Grande é o
homem que veio à terra para servir. Grande é o que se aquece na pobre cabana, onde
o fogo crepita. Grande é o que nasce na palha que aos animais já não serve. Toda
a grandeza está na compreensão da secreta linha que liga a dignidade à
humildade que a alimenta e a faz crescer, tornando-a visível aos olhos da
multidão. Quando os homens descem às ruas e enchem as praças é porque a velha
ponte se quebrou e a vida perdeu o rumo que era o seu.
Príncipes e
reis que não sabem a indigência fundamental de onde nasce o ceptro são
usurpadores, tomam conta de uma casa que não lhes pertence e, com eles, chega o
mal, o ódio crescente nas ruas, a vida minguada entre paredes. Os homens
amotinam-se e o sangue corre, a fome inunda os campos e o reino afunda-se em tempestades
de aço, cobrindo-se de escória e de lama, que, transbordando dos rios, engole
as cidades e deixa o cheiro da morte em cada recanto.
Quando
chega o tempo em que o alto se esquece do baixo e o digno do humilde, quando um
usurpador é seguido por outro usurpador, e este por e outro ainda, então tudo
se aproxima do fim. Os dias continuam a suceder-se às noites e as estações do
ano ainda chegam na ordem aprazada. Mas o negro da noite é agora cinzento e as
estrelas embaciam-se num céu cansado. O brilho do meio-dia desapareceu e ninguém
sabe já o vigor do astro. As crianças sabem entoar a ordem das estações, mas o
frio e o calor, a chuva e o sol, não se distinguem, caminhando ébrios por
avenidas em escombros. Cansados, os homens esperam que um novo rei chegue e
estendem o tapete ao que se apresentar na humilde indigência que sustenta o que
há de mais elevado nos céus e na terra.
A humildade é e será sempre uma virtude, mas não pode condicionar a dignidade ou limitar o direito a reagir à arrogância e a combater a prepotência.
ResponderEliminarBoa semana
Abraço
O interessante no texto de Lao Tse é mesmo esse condicionamento, no sentido de a humildade ser a condição de toda a dignidade. Por outro lado, como o texto o mostra, ela é o fundamento da reacção à arrogância e do combate à prepotência, prerrogativas do poder político. Qundo este perde esse sentido, torna-se ele próprio arrogante prepotente e chama à reacção dos cidadãos. O texto de Lao Tse é também um manual político.
EliminarBoa semana.
Abraço