sexta-feira, 8 de março de 2013

Política e economia

A minha crónica semanal no Jornal Torrejano.

O deputado europeu do PSD, Paulo Rangel, escreveu, no Público da passada terça-feira, um curioso artigo intitulado O triunfo de Marx. Marx teria ganho porque, hoje em dia, até os ultraliberais adoptam a crença marxiana de que infra-estrutura económica determina a estrutura política. Rangel vê na submissão da política à economia o grande problema que está a desarticular a Europa e o mundo. Pede mesmo um novo Maquiavel que pense a separação entre política e economia, como o primeiro pensou o poder separado da religião. 

A visão de Marx tem sentido no âmbito restrito do mundo contemporâneo, aquele que se desenvolveu a partir da Gloriosa Revolução (1688-89), em Inglaterra, a qual deu início a uma prática política em que a economia, e mais precisamente o lucro privado, se tornaram a finalidade última do exercício do poder. Com a Revolução Industrial, nos séculos XVIII-XIX, e as transformações liberais ocorridas no século XIX, o conteúdo da governação passou a ser a economia e a criação de condições para o desenvolvimento da empresa privada. 

A separação entre economia e política ansiada por Paulo Rangel significa a desarticulação completa e total das nossas sociedades. Há um momento na história da Europa, após a separação da Igreja e do Estado, em que a política já não depende da religião, como na Idade Média, nem depende ainda da economia. Esse momento é o do Absolutismo, ao qual não é possível retornar. Um dos caminhos possíveis será erosão do actual modelo de governação económica. Essa erosão significará uma crescente anarquia e uma aproximação ao caos (utilizo estes conceitos de forma apenas descritiva e não avaliativa), pois, para além da economia, não existe nada disponível que ofereça um conteúdo à governação. 

As eleições italianas, as manifestações em Portugal, o desemprego galopante em muitos países, a turbulência no mundo árabe, o estado de desagregação de vários países na Europa, os conflitos políticos nos EUA entre Senado e Presidência, etc. etc., todo esse conjunto de sintomas sinalizam rupturas entre a esfera política e a esfera económica. É cedo, porém, para dizer se estamos perante uma doença grave mas curável ou se estes sintomas anunciam uma moléstia fatal para a aliança espúria entre política e economia. Se for este o caso, esperam-nos momentos de grande turbulência e terror. Não se pense que a vinda de um mundo novo absolutamente desconhecido e inesperado na sua forma (nada terá a ver com as utopias socialistas) e a ruína do velho se faz como um passeio à beira-mar numa tarde de calmaria.

4 comentários:

  1. PR esqueceu que o pensamemto de Marx não chegou a triunfar, porque o Homem não foi capaz de o interpretar (ou não o deixaram) e nem sequer percebeu o que era a apropriação dos meios de produção.
    O Capitalismo, seja qual for o seu estádio, está nos antípodas dessa doutrina.

    Bom fim-de-semana

    Abraço

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    1. Não partilho dessa visão em que capitalismo e marxismo (ou a sociedade almejada por Marx) estão nos antípodas. Têm muito mais em comum do que se pensa. Liberalismo e marximo são ambos filhos do Iluminismo e têm ambos o objectivo final de libertar o homem da coerção das regras e do Estado, acreditando ambos, mas cada um à sua maneira, que a razão nos liberta. O que os separa são os meios. No liberalismo (cuja essência efectiva é uma espécie de anarquismo), o caminho faz-se pela diminuição progressiva do peso do Estado na sociedade (os libertários acreditam mesmo nisto) e pela iniciativa dos indivíduos, no comunismo faz-se pela revolução e o reforço do Estado para combater as tendências individualistas e anarquizantes, para que se chegue ao dia glorioso da liberdade para todos. Ambos querem chegar a essa liberdade desregulada. Enfim, muitas vezes não há maiores inimigos do que dois irmãos. E este é, apesar de todas as aparências, o caso.

      Bom fim-de-semana.

      Abraço

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  2. O Marxismo e o Liberalismo são filhos do iluminismo é um facto e o que os separa é, principalmente, a "propriedade". Não são amigos.
    Nós nunca podemos escolher os irmãos, mas podemos escolher os amigos. mesmo que sejamos diferentes...
    Abraço.

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    1. Em última análise, é um conflito de heranças. Estes são dos mais assanhados.

      Abraço

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