Anónimo chinês - Birth of a Child
Gera mas não possui.
Age mas não ostenta.
Alimenta mas não domina.
Eis a excelência misteriosa.
Lao
Tse, Tao Te King, LI
Foram precisos
muitos anos para chegar aquela hora. O caminho estava no fim e todas as
palavras tinham secado no fundo da garganta. Por vezes, recordava o momento em
que cada um nascera, as suas primeiras palavras, o temor que algum mal lhes
acontecesse. A matriz onde se formaram há muito que estiolara e o seio que os
alimentara era agora um turvo sinal na memória. Cada nascimento, porém, estava
ainda inscrito no coração. O momento em que o corpo se abria e um novo mundo
irrompia das trevas interiores nunca a abandonaria. A súbita dor era o júbilo e
a promessa silenciosa de os deixar ir quando a vida os solicitasse.
Cada noite
que passara em vigília, cada tormento que enfrentara, os terríveis dragões do
desespero que matara, tudo isso escondera de cada um. Fazia o que tinha a
fazer. Olhava o horizonte, escutava o vento, tacteava cuidadosamente as rochas
escapadas da falésia, e então compreendia no fundo do ventre o que cada um requeria.
Com uma precisão que lhe nascia no que havia de mais íntimo, abria caminhos,
traçava rumos, desenhava a esperança nos olhos que para ela se voltavam. Depois
sorria e deixava que as mãos caíssem ao longo do corpo, como se a sua essência
fosse tecida na mais pura inércia.
Agora
chegara o tempo de partir. Era grande o cansaço e a terra tomara um peso
doloroso. Ninguém precisava dela. Sim, tinha havido um tempo em que dera a cada
um aquilo que ele dela esperava. Mas quando chegava o dia propício, abria-lhe a
porta e dizia-lhe: “Eis o vasto mundo que te espera. Chegou o momento de dares
o que recebeste. Quando nascerem os teus filhos não os faças escravos dos teus
anseios nem os submetas ao medo. Deixa que cresçam sob a intempérie, que
aprendam a ouvir a tempestade e que amem a voz do trovão. Não prendas o que
nasceu para ser livre nem faças dele o seguro da tua velhice. Que eles aprendam
contigo a alimentar os filhos que irão ter, sem que na sua memória exista outra
coisa apara além do segredo que também eles partirão para construir a sua casa
e edificar um mundo.” Quando saíam, fechava-se e chorava no silêncio da noite,
como se a carne se rasgasse e a vida jamais se pudesse recompor. Chegada a
aurora, erguia-se e sentava-se na rua à espera que o vento lhe trouxesse
notícias daquele que partira.
Excelente! Uma bela metáfora, ainda que dolorosa porque o que devia suceder naturalmente, acontece como uma fatalidade que caíu sobre muita gente.
ResponderEliminarBom Domingo
Abraço
É verdade, o que deveria ser a natureza das coisas tornou-se uma triste fatalidade. O que significa dizere que a liberdade se transformou em destino.
EliminarBom domingo.
Abraço...