Christian Bérard - Oedipus and the Sphinx (1932)
Cada época é uma esfinge que se precipita no abismo logo que o seu
enigma seja resolvido. Heinrich Heine.
A história mundial não é um solo onde cresça a felicidade. Períodos de
felicidade são páginas vazias na história do mundo. George W. F. Hegel
Estas duas citações fazem parte de um grupo de quatro que Tony Judt
antepõe ao prefácio do seu livro Pós-Guerra. Não é a obra de Judt que aqui nos
interessa, mas o curto-circuito provocado pela aproximação das citações de
Hegel e de Heine. Comecemos por Hegel. O que nos diz vem na sequência da
constatação kantiana de que a finalidade da Razão não é a felicidade. Hegel
desloca a constatação kantiana do âmbito da moralidade para o da história do
mundo. A história do mundo não é mais do que o devir da Razão, a sua
autocompreensão como Absoluto. Esse devir é obra do negativo, da destruição
de um mundo. Porque a história é esse trabalho do negativo não é solo onde a
felicidade possa ser cultivada. A proposição final de Hegel é lapidar: Períodos de felicidade são páginas vazias na
história do mundo. Apesar de lapidar, a frase é ambígua. Pode significar
que a história não é lugar onde a felicidade possa emergir, mas também pode
querer dizer que são páginas por escrever, que um dia se poderá realizar no
mundo a felicidade dos homens. Foi assim que Marx a entendeu. A nossa
experiência histórica tende a corroborar uma visão muito mais céptica que a de Marx.
Perante a frase de Heine, poderemos perguntar qual o enigma da nossa
época cuja resolução a obrigará a precipitar-se no abismo da história. Cruzando
os textos de Hegel e de Heine, dir-se-ia que esse enigma é a fonte da infelicidade
da época histórica que nos cabe viver. Também a esfinge, aquela que Édipo
obrigou precipitar-se no abismo, era fonte de infelicidade. A nossa época é
aquela onde a liberdade se tornou no motor essencial do desenvolvimento
histórico. É ela que alimenta o negativo que opera a destruição histórica a que
assistimos. O facto de percebermos que o enigma que a nossa época coloca é o da
liberdade isso não significa que a esfinge – isto é, os tempos que estamos a
viver ou a nossa época – esteja pronta a precipitar-se no abismo. O enigma da
liberdade está longe de estar resolvido. A liberdade foi festejada e foi
vituperada. Hoje a liberdade é incensada, não havendo, mesmo entre os tiranos,
quem não lhe preste culto. Mas ela está muito longe de ser compreendida na sua
essência. A resolução de enigma da liberdade passa pela resposta a duas
questões: 1. O que é a liberdade? 2. Por que razão a liberdade é
fonte de infelicidade?
Para quem ache, porém, que a resolução do enigma da liberdade seja o
caminho para que se inscreva a felicidade nas páginas vazias da história,
recordo o destino do sagaz Édipo. Fugiu à infelicidade derrotando a esfinge,
obrigando-a a precipitar-se no abismo, e abriu caminho para um novo tempo de
infelicidade.
Vamos caminhando de infelicidade em infelicidade, até alcançarmos (escrevermos) a Utopia.
ResponderEliminarAbraço
O problema é que a Utopia tem erado entre os seres humanos mais infelicidade do que felicidade. A felicidade não é mercadoria que a história goste de vender.
EliminarAbraço