domingo, 31 de março de 2013

Meditações dialécticas (4) Felicidade e Liberdade

Christian Bérard - Oedipus and the Sphinx (1932)

Cada época é uma esfinge que se precipita no abismo logo que o seu enigma seja resolvido. Heinrich Heine.

A história mundial não é um solo onde cresça a felicidade. Períodos de felicidade são páginas vazias na história do mundo. George W. F. Hegel

Estas duas citações fazem parte de um grupo de quatro que Tony Judt antepõe ao prefácio do seu livro Pós-Guerra. Não é a obra de Judt que aqui nos interessa, mas o curto-circuito provocado pela aproximação das citações de Hegel e de Heine. Comecemos por Hegel. O que nos diz vem na sequência da constatação kantiana de que a finalidade da Razão não é a felicidade. Hegel desloca a constatação kantiana do âmbito da moralidade para o da história do mundo. A história do mundo não é mais do que o devir da Razão, a sua autocompreensão como Absoluto. Esse devir é obra do negativo, da destruição de um mundo. Porque a história é esse trabalho do negativo não é solo onde a felicidade possa ser cultivada. A proposição final de Hegel é lapidar: Períodos de felicidade são páginas vazias na história do mundo. Apesar de lapidar, a frase é ambígua. Pode significar que a história não é lugar onde a felicidade possa emergir, mas também pode querer dizer que são páginas por escrever, que um dia se poderá realizar no mundo a felicidade dos homens. Foi assim que Marx a entendeu. A nossa experiência histórica tende a corroborar uma visão muito mais céptica que a de Marx.

Perante a frase de Heine, poderemos perguntar qual o enigma da nossa época cuja resolução a obrigará a precipitar-se no abismo da história. Cruzando os textos de Hegel e de Heine, dir-se-ia que esse enigma é a fonte da infelicidade da época histórica que nos cabe viver. Também a esfinge, aquela que Édipo obrigou precipitar-se no abismo, era fonte de infelicidade. A nossa época é aquela onde a liberdade se tornou no motor essencial do desenvolvimento histórico. É ela que alimenta o negativo que opera a destruição histórica a que assistimos. O facto de percebermos que o enigma que a nossa época coloca é o da liberdade isso não significa que a esfinge – isto é, os tempos que estamos a viver ou a nossa época – esteja pronta a precipitar-se no abismo. O enigma da liberdade está longe de estar resolvido. A liberdade foi festejada e foi vituperada. Hoje a liberdade é incensada, não havendo, mesmo entre os tiranos, quem não lhe preste culto. Mas ela está muito longe de ser compreendida na sua essência. A resolução de enigma da liberdade passa pela resposta a duas questões: 1. O que é a liberdade? 2. Por que razão a liberdade é fonte de infelicidade?

Para quem ache, porém, que a resolução do enigma da liberdade seja o caminho para que se inscreva a felicidade nas páginas vazias da história, recordo o destino do sagaz Édipo. Fugiu à infelicidade derrotando a esfinge, obrigando-a a precipitar-se no abismo, e abriu caminho para um novo tempo de infelicidade.  

2 comentários:

  1. Vamos caminhando de infelicidade em infelicidade, até alcançarmos (escrevermos) a Utopia.

    Abraço

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    1. O problema é que a Utopia tem erado entre os seres humanos mais infelicidade do que felicidade. A felicidade não é mercadoria que a história goste de vender.

      Abraço

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