Jean Puy - Plage à Bénodet (1904)
Decisão e coragem são virtudes maiores de um banhista. A mim, porém,
são qualidades que me falecem mal enfrento as águas. Saudoso de aventuras
marítimas lá me dirigi para uma das muitas praias que por aqui há. Sugeri que fôssemos
a outra, mais habitual. Sou um conservador, claro. Perdi a votação. Muito
vento, foi o que ouvi como justificação. Parece que aqui se vive numa
democracia argumentativa, com direito a justificação das opções e tudo. Lá
fomos, armados de chapéu-de-sol, toalhas, cremes contra os ultravioletas e um
livro que escondi entre o atoalhado.
Um banhista que não viva numa barraca tem de aliar à decisão e à
coragem a perspicácia geográfica de um fundador de colónias. Como os antigos
gregos, que saíam da sua cidade natal e iam para a Anatólia ou para a Sicília
em busca de território livre e, quando o encontravam, aí fundavam uma nova
cidade, colónia da primeira e protegida pelos deuses desta, também os banhistas
de chapéu-de-sol e toalha têm de espiar o território, descobrir clareiras,
apossar-se com determinação de cada palmo de terreno, delimitar uns metros
quadrados, se os houver, de areia, erguer um altar, fazer uma hecatombe, e
depois…
Bom, depois, mesmo que não haja necessidade de uma oposição
determinada a novos colonizadores, é preciso vigiar as fronteiras e exibir o poderio
da nova colónia. Como? Erguendo acrópoles de lona defendidas por muralhas de
atoalhados turcos coloridos para ofuscar o adversário. Há quem use
corta-ventos, mas faço parte de uma geração apostada em novas formas de defesa,
mais imateriais e fundadas na vigilância electrónica e no uso de informação via
satélite. Se tivesse propensão para filósofo, seria um novo Bentham, inventaria
um panóptico digital. Adoro planos tecnológicos.
Colónia fundada e defendida, dá-se início à função. Os colonizadores
cansados da longa viagem começam a despir-se e exibem-se em roupa interior, com
o estranho nome de fato-de-banho, como se alguém precisasse de um fato quando
toma banho. Esfregam-se com cremes, esticam os peitos, verificam a consistência
dos músculos, se são do sexo masculino acomodam aquilo que os faz ser o que
são, se são do feminino tentam tapar os pêlos que sempre crescem onde não devem
e que as fazem parecer o que não são. Depois, desatam a correr para a água, os
mais decididos, ou avançam lentamente, os timoratos. É o que acontece comigo.
Mal a água me cobre os pés, sinto uma dor como se os ossos se partissem.
É aqui que a decisão e a coragem se mostram as virtudes maiores de
um banhista. Respiro fundo, olho o sol e tomo uma decisão: para a Acrópole e
já. Tenho a coragem inaudita de fugir. Debaixo do chapéu-de-sol, observo o movimento
do universo, o ir e vir das águas, oiço a restolhadas das crianças e o ganir
dos cães de companhia, a maior parte nas respectivas acrópoles, enquanto os
seus donos se espojam areia fora. Abro o livro, ponho os óculos de leitura e
mergulho nas páginas batidas pelas areias trazidas pelo vento suave. Amanhã
levarei tampões para os ouvidos. Para ler, preciso de silêncio.
Cansados de praia, desfazemos a colónia, guardamos nos sacos os deuses e
voltamos à terra pátria. Um banhista não passa de um Sísifo. (averomundo, 2007/08/08)
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