A minha crónica em A Barca.
Há uma pulsão que percorre todos os movimentos radicais, sejam estes
de natureza política, religiosa ou político-religiosa. Essa pulsão manifesta-se
na redução daquilo que é diferente ao idêntico. Os movimentos radicais sentem a
diferença como uma ameaça e tratam de liquidá-la. O século XX está atafulhado
de experiências desse género. Desde o terror nazi ao delírio, não menos
terrorista, dos Khmers Vermelhos no Cambodja, passando pela experiência
soviética ou a revolução cultural maoista, o projecto de destruir as diferenças
em nome de uma identidade única fez, por todo o planeta, muitos milhões de
mortos.
O século XXI nasce com uma outra manifestação desta pulsão. Se no
século XX a liquidação da diferença tinha, fundamentalmente, contornos
políticos, alimentada pelas grandes narrativas ideológicas, o XXI vê reemergir
no palco mundial a luta contra a diferença em nome da religião. O islamismo –
em diversas das suas versões – apresenta-se como um projecto de liquidação das
diferenças e de redução de toda a realidade a uma identidade única, fundada no
Islão. Pessoas e património histórico têm sido as grandes vítimas deste
projectos. Não apenas a diferença actual – o facto de haver múltiplas crenças e
descrenças – como os traços dessas diferenças no passado – livros, monumentos,
etc. – são insuportáveis para estes engenheiros do igualitarismo identitário.
Podemos ver nestes processos do século XXI, como nos do século
passado, a vontade de poder e de dominação de uns sobre outros. E isso não é
errado, pois, em todos estes projectos, o poder para dominar é aquilo que os
agentes do terror procuram. No entanto, o mais importante não é isso. O mais
importante é que esta pulsão de destruição das diferenças é uma pulsão de
morte. O que permitiu o assinalável êxito adaptativo da nossa espécie a todo o
planeta foi a sua capacidade de diferenciar-se. A diferença é uma vantagem competitiva
da humanidade. Estes projectos radicais visam, em última análise, a destruição
dessa vantagem competitiva e, como consequência, a destruição da própria
humanidade. Liquidar as diferenças significa matar o Homem.
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