Paul Ackerman - Aubade sur la gondole
Eram tecedeiras. No vagar
que era o delas, teciam longas horas, teciam-nas com dedos afilados e um
murmúrio entre lábios. Obscuras sombras, ao serem tecidas por violentas e vorazes
mãos, a tudo cobriam. Na voz rouca, voz era o que se ouvia, enchiam o lago do
tempo, cobriam-no de suspeitas, de injúrias, a lama a crescer, num Inverno de
dedos cruzados, para dentro do vazio que habitava cada casa. Os olhos já negros
de tanto olhar abriam-se no fundo do rosto, caíam sobre o horizonte e
cerravam-se. A vida, precária e sem esperança, era agora vendida a retalho, ao
sabor das flutuações do mercado, do deve e haver, as mercearias fechadas e as
tulhas vazias.
Não havia cerejas nem
laranjas. Não havia vinho e pão. Os cereais tinham acabado e nada restava onde,
naquelas tulhas do passado, os braços pudessem mergulhar as mãos, assim os
terminavam. Pela noite, soltava-se um instinto mortal e elas, tecedeiras tão
ferozes, vogavam pelas casas, cabelos soltos a tocar os seios descaídos, uma
ânsia de assassínio no canto da boca, ou a solidão a aplanar o caminho do
coração. Vinham à rua e uivavam, a montanha devolvia, num eco de língua lívida,
o uivo, e a matilha de mulheres dispersava-se, cada uma para sua casa, limpavam
o pó e, com cuidados sem fim, pegavam na tecelagem. Das suas mãos vinha o tecido
do futuro, fresco, puro, quase luminoso.
Uma voz desceu dos céus e
disse: o que ferir alguém que morra,
morrendo morrerá. Elas encolheram os ombros e deixaram o dia escoar-se
entre as pernas, coxas férteis dedilhadas lentamente, pele lustrosa no olhar
que as olhava. A noite avançou incólume na escuridão sem estrelas, nas trevas
primitivas onde tudo abrandava, e a morte cansada deixava a carne em frágil
decomposição. Tudo caiu então para dentro da pátria do silêncio, arrastado pelo
rio do esquecimento, dragado por uma linguagem nova, tão nova e tão
incompreensível. De olhos desmesurados, as tecedeiras adormeceram. Sonhavam
longamente, noites e dias sem parar, com impérios desfeitos, camisas de seda, o
branco véu, à noiva no altar cobre.
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