quinta-feira, 4 de agosto de 2016

O espantoso caso dos secretários viajantes

Juan Botas - Traveller

Jorge Miranda afirma que é “espantoso que, ao fim de 40 anos de democracia, ainda exista um caso destes”. Será, porém, assim tão espantoso este caso dos secretários que viajam pagos pela GALP? O problema é que a nossa democracia e muitos dos seus agentes sempre mantiveram, após o Verão quente de 1975 e o arrefecimento global do 25 de Novembro, um persistente love-affair com o mundo dos negócios. Seja a transição de grandes empresas – nomeadamente de bancos – para o parlamento e governo, seja em sentido inverso, a ida de governantes para grandes empresas, a relação entre as elites políticas e os interesses económicos particulares sempre esteve longe da transparência que deveria existir. Este é apenas mais um episódio num mundo onde a promiscuidade é a regra (e a regra, como se sabe, não se confunde com a lei, embora esta seja produzida muitas vezes para proteger certas regras dadas pelos costumes, pelos maus costumes). Se há alguma coisa estranha neste acontecimento é não ter ocorrido, aos secretários de Estado em causa, que a viagem de borla lhes ia sair muito cara, mas isto só reforça a ideia de que estes são os costumes em vigor.

É evidente que estes secretários de Estado só têm uma saída, demitirem-se. A sua demissão será uma coisa boa, mas não alterará o ecossistema em que se vive. Este é o produto do bloco governamental e do mundo dos grandes negócios (e também dos médios e pequenos, se passarmos do nível central para o local). O grande problema é que existe na sociedade portuguesa a profunda convicção de que o sucesso nos negócios depende das relações com o poder. Esta convicção não é o efeito de coisa nenhuma ou da proverbial inveja lusitana, mas de práticas sustentadas durante décadas. Portugal é um caso daquilo a que se chama crony capitalism. O maior contributo que qualquer governo poderia dar ao país residiria na separação rigorosa entre a esfera da economia e a esfera do poder. Percebemos que isso será muito difícil para os habituais detentores do poder, PS, PSD e CDS, mas não poderá ser esse um desafio para aqueles que, como o BE e PC, sempre estiveram fora do poder? Não poderia ser esse o seu contributo, ao obrigar o PS a reformular um conjunto de leis e práticas, para a qualidade da democracia em Portugal? Se não servirem para isso, para melhorar a qualidade da democracia, servirão para quê?

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