Juan Botas - Traveller
Jorge Miranda afirma
que é “espantoso que, ao fim de 40 anos de democracia, ainda exista um caso
destes”. Será, porém, assim tão espantoso este caso dos secretários que viajam
pagos pela GALP? O problema é que a nossa democracia e muitos dos seus agentes
sempre mantiveram, após o Verão quente de 1975 e o arrefecimento global do 25
de Novembro, um persistente love-affair
com o mundo dos negócios. Seja a transição de grandes empresas – nomeadamente
de bancos – para o parlamento e governo, seja em sentido inverso, a ida de
governantes para grandes empresas, a relação entre as elites políticas e os
interesses económicos particulares sempre esteve longe da transparência que
deveria existir. Este é apenas mais um episódio num mundo onde a promiscuidade
é a regra (e a regra, como se sabe, não se confunde com a lei, embora esta seja
produzida muitas vezes para proteger certas regras dadas pelos costumes, pelos
maus costumes). Se há alguma coisa estranha neste acontecimento é não ter
ocorrido, aos secretários de Estado em causa, que a viagem de borla lhes ia
sair muito cara, mas isto só reforça a ideia de que estes são os costumes em
vigor.
É evidente que estes secretários de Estado só têm uma saída,
demitirem-se. A sua demissão será uma coisa boa, mas não alterará o ecossistema
em que se vive. Este é o produto do bloco governamental e do mundo dos grandes
negócios (e também dos médios e pequenos, se passarmos do nível central para o
local). O grande problema é que existe na sociedade portuguesa a profunda
convicção de que o sucesso nos negócios depende das relações com o poder. Esta
convicção não é o efeito de coisa nenhuma ou da proverbial inveja lusitana, mas
de práticas sustentadas durante décadas. Portugal é um caso daquilo a que se
chama crony capitalism. O maior
contributo que qualquer governo poderia dar ao país residiria na separação
rigorosa entre a esfera da economia e a esfera do poder. Percebemos que isso
será muito difícil para os habituais detentores do poder, PS, PSD e CDS, mas
não poderá ser esse um desafio para aqueles que, como o BE e PC, sempre
estiveram fora do poder? Não poderia ser esse o seu contributo, ao obrigar o PS
a reformular um conjunto de leis e práticas, para a qualidade da democracia em
Portugal? Se não servirem para isso, para melhorar a qualidade da democracia,
servirão para quê?
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