A minha crónica no Jornal Torrejano de 2016/08/05.
Nesta última crónica antes de férias, podia falar das sanções
europeias a Portugal, que não houve, do terrorismo que continua a haver ou,
como entrámos silly season, de um
tema estival que estivesse à mão. Escolho, todavia, falar do silêncio. Do
silêncio do Papa Francisco na sua visita ao antigo campo de concentração de
Auschwitz-Birkenau. O que significa o silêncio de um Papa no reino do terror
nazi? Para muitos de nós, impregnados pela cultura moderna que hipervaloriza a
acção em detrimento da contemplação, o gesto do Papa não é muito diferente dos
minutos de silêncio que se guardam antes dos jogos, quando alguém importante do
mundo do futebol morre. Um gesto simbólico, onde o símbolo, destituído do seu
sentido profundo, é apenas entendido como mera homenagem dos vivos a quem
morreu.
O silêncio do Papa em Auschwitz, porém, não é comemorativo nem
rememorativo. Não é sequer uma homenagem. O silêncio do Papa é, antes de mais,
a confissão da perplexidade perante o mysterium
iniquitatis (mistério do mal), perante o horror que os homens – crentes,
agnósticos e ateus – fazem a outros homens – também eles crentes, agnósticos e
ateus. Na algazarra em que se transformou o mundo, na balbúrdia que a acção
desenfreada lança sobre a Terra, é necessário que se faça silêncio para que o
horror possa ser visto na sua própria natureza, para que os gritos dos que
sofrem às mãos de outros homens possam ser escutados. As palavras e a as acções
são sempre um analgésico que nos permite não ter de enfrentar o horrível que
habita nos horrores que cometemos.
Auschwitz-Birkenau não é apenas o símbolo do terror nazi. É o símbolo
de todo e qualquer terror, individual ou colectivo. É uma manifestação, e que
manifestação, desse mysterium iniquitatis
que assola a espécie humana, encontrando sempre novas razões para espalhar a
dor sobre os homens. Na verdade, a única possibilidade perante aquilo que ali
se passou – perante aquilo que se passa no mundo – é o silêncio. O silêncio de
um velho Papa naquele lugar não é um gesto político, nem um condenação
judicial, nem um acto ritual. É apenas a criação de um espaço de escuta. Escuta
de quem? Escuta de todos aqueles que, antes de expirar e com voz forte, poderiam
dizer: “Eloí, Eloí, lamá sabactâni, que
significa “Meu Deus, Meu Deus! Por que me abandonaste?” (Mateus 27:46).
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