Pablo Picasso - Bañistas en la playa de la Garoupe (1957)
Não há bem que não acabe, nem mal que sempre dure. É com esta
referência à cultura popular e ao são senso comum que me despeço deste diário,
querido diário, que me tem acompanhado nestes dias de exílio, nesta
peregrinação ao santuário de Posídon. Dirá o leitor, o eventual leitor,
corrijo, que o provérbio não esclarece se esta estadia é, por mim, banhista,
considerada um bem ou um mal, um exílio ou uma peregrinação. É o que sempre
digo: o mal dos provérbios é a sua tendência ora para o oracular ora a
contradição lógica. Seja como for, e com pesar meu, deixarei a interpretação em
aberto.
Estas meditações não pretendem a glória dos tratados filosóficos. Por
isso mesmo, não quero condicionar a leitura destas aventuras e impor uma
significação unívoca. Estamos no domínio da polissemia das palavras e da plurivocidade
dos textos. Expostas ao público estas aventuras, cada um que as interprete como
quiser ou como puder. Nelas encontrará vasta matéria para meditação sobre a
natureza dos homens e do mundo e, se for mais aberto ao domínio do esotérico,
certamente irá passar longas horas em busca da chave cabalística que se oculta
no emaranhado destas pobres narrativas. Para ajudar os amantes do esotérico
deixo uma pista. Treze são os dias deste diário. Os que forem dados à
numerologia terão um vasto campo de trabalho.
Saiba, porém, que hoje, o último dia desta aventura, e isto não é
despiciendo para a tal chave acima referida, decidi passar a manhã na praia, a
passear para cá e para lá, a sentir a areia sob os pés, a ver os mais afoitos
dentro de água. Para quê, perguntar-me-ão. Para nada, respondo. O banhista
ideal, ao contrário do banhista real e empírico, é perfeitamente destituído de
qualquer interesse e finalidade. Faz o que faz e nada mais há a acrescentar. E eu
sou, como ficou vastamente documentado nas páginas deste diário, um banhista
ideal, a ideia de banhista. Trago comigo a imutabilidade e a eternidade da
minha condição.
Olho para o mar e o que vejo eu? Gente a esforçar-se para ser
banhista. Correm, mergulham, nadam, chapinham na água, gritam… Para quê e
porquê? Porque não são verdadeiros banhistas. Esforçam-se para parecer ser
aquilo que não são. É este um dos grandes pecados da humanidade. Querer ser o
que não é. Eu olho-os e, confesso, sinto um desdém olímpico. Eu não preciso de
parecer. Eu sou o banhista, embora não ponha um pé na água. E se o ponho na
areia é apenas por condescendência, para que todos possam ver a distância que
há entre mim, a ideia de banhista, e eles, os pobres banhistas empíricos.
Chega, porém, de surfar a filosofia do infeliz Platão. É a hora!
Resta-me, agora, arrumar as malas, despedir-me da criançada, que tem mais
que fazer do que aturar banhistas em fase de pré-senilidade, e adeus oceano
tenebroso, o vasto mundo, a terra firme e o calor sufocante esperam por mim.
Ite, Missa est. (averomundo, 2007/08/13)
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