Kazemir Malevich - Bather (1911)
Confortado na certeza de ser o único e verdadeiro banhista, recusei-me
hoje a pôr o pé na praia, não vá ele inchar ou tomar-se de urticária. Quem
precisar de mostrar que é um banhista que vá a banhos, eu fico-me pela
esplanada a enxotar moscas, a ler jornais, a beber cafés e a rodar a cadeira
para fugir ao sol. Olho o mar e começo a contar os dias que faltam para,
contristado, deixar o lugar idílico a que chamam praia, lugar que o calendário
deste mundo infeliz me impõe com a regularidade das estações.
Nem uma aventura, mesmo metafísica, tenho para contar hoje neste pobre
diário. Estes tempos fritam-me os neurónios, esfriam-me a coragem, e pouco mais
consigo fazer do que balbuciar algumas palavras e deslocar-me, entre as sombras
mortais que me rodeiam, com o ar desgastado de quem a vida abusou com trabalhos
e sofrimentos, lutas e canseiras. Um banhista, mesmo da estirpe dos imortais
como eu, não é de ferro. Estou cansado e, como o divino Ulisses, sonho com o
regresso à pátria, que o malfadado Posídon não permite. Suspiro, se oiço o
vozear das águas a bater nas areias. Quando chegarei a Ítaca, à minha doce
ilha, pedaço de terra rodeada de calor por todos os lados?
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