George Seurat - Bathers, Asnières (1883-4)
Domingo. Hoje não há saga do pobre banhista. Os banhos de mar, quer
dizer, as visitas à praia, estão, cá por casa, proscritos nos dias que outrora
eram os do Senhor e, hoje em dia, não se sabe bem de quem são. É questão de sanidade mental, oiço dizer. Concordo. Mas uma
regra não é uma lei, e há que desconfiar: quando chegará o dia em que a regra
dá lugar à malfadada excepção?
Curiosamente, hoje que me levantei tarde, deu-me um súbito desejo de
ir à praia e fazer jus à minha condição de banhista ou de pré-banhista. Tempo
cinzento, uma aragem fresca, ameaça de chuviscos. É em dias assim que o corpo
me puxa para o mar. Sonho com praias vazias, o vento a bater as águas, a
cortar a face, o sol oculto por nuvens escuras e o extenso areal libertado da
presença humana. Mesmo para os humanos a humanidade começa por ser um cansaço e acaba por se tornar um problema, um problema que tem todas as condições de ser irresolúvel. Hoje,
domingo e tempo incerto, será possível que vá à praia?
Comprar os jornais, tomar café, dar um giro e ver as praias desertas.
Ingenuidade minha, a humanidade oferece-me o esplendor dos seus corpos sobre as
areias, dentro de água, corpos que se agitam como se temessem a imobilidade
eterna. Há dias que odeio Heraclito. Resigno-me à derrota de Parménides e, melancólico, penso que ainda não será hoje que a excepção
toma o lugar da regra. Vou fotografar naturezas mortas, materiais inúteis,
lixos, a sombra projectada pela humanidade, a sombra de uma natureza morta que julga estar viva. Olha-se para uma praia e vê-se logo que, apesar das aparências, não está. A humanidade morreu, penso, mas é demasiado dramático para servir de proclamação.
Balanço: oitavo dia junto ao mar, idas à praia = 1 (uma), banhos de
mar = 0 (zero). Não há razão para queixas. Nada melhor que os tempos de praia.
(averomundo, 2007/08/05)
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