Georges Lemmen - Beach at Heist (1891-92)
Frívolo banhista, quem te manda a ti tentar os deuses? Mal sabes tu
que eles concedem aos mortais aquilo que estes mendigam. Então, não foste tu
que ontem falaste em tempo cinzento, aragens frescas, ventos a cortar a face?
Então, toma, aí o tens. Hoje levantei-me decidido a cumprir o meu estatuto de
banhista, homem que corta as ondas, lobo-do-mar. Feitas as abluções matinais,
tomado o pequeno-almoço, logo exclamei: para a praia. Olharam-me com
comiseração. Vi estampado nas faces um juízo irónico sobre a minha sanidade
mental, mas ninguém disse o que quer que fosse. Se é para ir à praia, então
toca a andar. E lá se foi…
O pior foi sair do carro. Uma nortada das antigas. Não cortava a face,
não. Cortava o corpo todo, varria os banhistas da praia, levantava ondas de
areia, acastelava as águas, semeava um reboliço que mais parecia um terreiro de
feira corrido a varapau. Agora, vamos, sussurraram-me. Gaguejo, conto aquela
história do anúncio da Sagres – ao mar, ao mar, ao mar; ao bar, ao bar, ao bar
– mas ninguém acha graça. Para a praia, para a praia, exclamam, isto não é o
Moledo, sugerem-me. A humanidade tem destas coisas.
Como quem paga uma promessa, ou como se fôssemos um cortejo de
penitentes, lá marchámos em direcção ao santuário. Bandeira encarnada, alguns
surfistas e uma solidão maior que o mundo. Está frio, comento. Olham-me com
desprezo. Acrescento: ao menos vamos a casa vestir umas calças e uns
corta-ventos. Sorriem. Qual o quê? Toca a marchar e lá me levam a dar uma volta
pela ventania, até que alguém exclama: já chega. Chegou. Sinto risos nas minhas
costas, olhares malévolos, desconfio de um pacto com Éolo. Gosto de vento, mas
o vento norte podia ser menos frio e cortante, concedo. Amanhã, a saga do
banhista continua, se tiver mesmo de ser… Que os deuses me protejam. (averomundo, 2007/08/06)
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