quarta-feira, 10 de agosto de 2016

Uma sociedade impotente


Uma país literalmente a arder. Mais uma vez. Sempre que S. Pedro se distrai, Portugal incendeia-se. O João Carlos Lopes (JCL) cita um estuda da União Europeia: Portugal teve mais incêndios que a Espanha, França, Itália e Grécia juntos no período entre 2000 e 2013. Este pequeno país registou, mais concretamente, 54% do número total de incêndios dos países mediterrânicos, quando a sua área total, no conjunto dos cinco, pouco passa dos 10%. Estes dados perturbadores são um espelho fiel da cultura cívica dos portugueses.

Ao começar a escrever este texto lembrei-me de uma passagem do primeiro capítulo de Sexual Personae, de Camille Paglia. Diz assim: A sociedade é uma construção artificial, uma defesa contra o poder da natureza. Sem a sociedade, estaríamos expostos ao mar bárbaro que é a natureza. A sociedade é um sistema de formas herdadas para reduzir a nossa humilhante passividade perante a natureza. (…) A natureza tem a sua agenda fundamental, a qual apenas fracamente podemos conhecer. A pergunta que se coloca é a seguinte: o que se passa com a nossa sociedade que é tão impotente para nos proteger da terrível agenda da natureza. A sua impotência ultrapassa largamente a dos países europeus mediterrânicos.

Há acusações para todos os gostos. A direita acusará a esquerda no governo. A esquerda acusará a direita que governou. Depois, como no texto de JCL, há a indústria do fogo posto, o que parece uma evidência, bem como, segundo outros, o desordenamento do território, o abandono do interior, embora o Funchal não seja propriamente o interior, os interesses da monocultura do eucalipto, etc., etc. Tudo isto, porém, são sintomas de um mal bem mais fundo, de um mal entranhado na nossa sociedade e que nos expõe, para utilizar a linguagem de Camille Paglia, a uma humilhante passividade perante a natureza.

O que a actual situação torna patente, mais uma vez, são três características da sociedade portuguesa e dos portugueses. Em primeiro lugar, uma sociedade débil, mal organizada e corroída na sua organização política, que perante qualquer catástrofe  mostra a sua impotência. Em segundo lugar, uma consciência cívica irrisória. Esta alimenta, por exemplo, a tal indústria do fogo posto. Por fim, uma relação superficial da generalidade dos portugueses com a realidade e com aquilo que têm de fazer. Na verdade, nada é levado até às últimas consequências. Tudo é tratado pela rama. O culto do desenrascanço – culto, pois é louvado como virtude – diz tudo sobre a nossa atitude. Diz tudo sobre a impotência da sociedade portuguesa perante a terrível agenda da natureza. E também ajuda a explicar a débil consciência cívica e, não tenhamos medo das palavras, a puerilidade das elites políticas.

Uma palavra final de gratidão aos bombeiros portugueses, os quais com a sua coragem, a sua tenacidade e a sua solidariedade minimizam as grandes tragédias que a natureza nos envia e a nossa cultura do desenrascanço alimenta fartamente.

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