Uma país literalmente a arder. Mais uma vez. Sempre que S. Pedro se
distrai, Portugal incendeia-se. O João Carlos
Lopes (JCL) cita um estuda da União Europeia: Portugal teve mais incêndios que a Espanha, França, Itália e Grécia
juntos no período entre 2000 e 2013. Este pequeno país registou, mais
concretamente, 54% do número total de incêndios dos países mediterrânicos,
quando a sua área total, no conjunto dos cinco, pouco passa dos 10%. Estes
dados perturbadores são um espelho fiel da cultura cívica dos portugueses.
Ao começar a escrever este texto lembrei-me de uma passagem do
primeiro capítulo de Sexual Personae,
de Camille Paglia. Diz assim: A sociedade
é uma construção artificial, uma defesa contra o poder da natureza. Sem a sociedade,
estaríamos expostos ao mar bárbaro que é a natureza. A sociedade é um sistema
de formas herdadas para reduzir a nossa humilhante passividade perante a
natureza. (…) A natureza tem a sua agenda fundamental, a qual apenas fracamente
podemos conhecer. A pergunta que se coloca é a seguinte: o que se passa com
a nossa sociedade que é tão impotente para nos proteger da terrível agenda da
natureza. A sua impotência ultrapassa largamente a dos países europeus
mediterrânicos.
Há acusações para todos os gostos. A direita acusará a esquerda no
governo. A esquerda acusará a direita que governou. Depois, como no texto de
JCL, há a indústria do fogo posto, o que parece uma evidência, bem como,
segundo outros, o desordenamento do território, o abandono do interior, embora
o Funchal não seja propriamente o interior, os interesses da monocultura do
eucalipto, etc., etc. Tudo isto, porém, são sintomas de um mal bem mais fundo,
de um mal entranhado na nossa sociedade e que nos expõe, para utilizar a
linguagem de Camille Paglia, a uma humilhante passividade perante a natureza.
O que a actual situação torna patente, mais uma vez, são três
características da sociedade portuguesa e dos portugueses. Em primeiro lugar,
uma sociedade débil, mal organizada e corroída na sua organização política, que
perante qualquer catástrofe mostra a sua
impotência. Em segundo lugar, uma consciência cívica irrisória. Esta alimenta,
por exemplo, a tal indústria do fogo posto. Por fim, uma relação superficial da
generalidade dos portugueses com a realidade e com aquilo que têm de fazer. Na
verdade, nada é levado até às últimas consequências. Tudo é tratado pela rama.
O culto do desenrascanço – culto,
pois é louvado como virtude – diz tudo sobre a nossa atitude. Diz tudo sobre a impotência
da sociedade portuguesa perante a terrível agenda da natureza. E também ajuda a
explicar a débil consciência cívica e, não tenhamos medo das palavras, a
puerilidade das elites políticas.
Uma palavra final de gratidão aos bombeiros portugueses, os quais com
a sua coragem, a sua tenacidade e a sua solidariedade minimizam as grandes
tragédias que a natureza nos envia e a nossa cultura do desenrascanço alimenta fartamente.
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