Giorgio de Chirico - Árabe a Cavalo (1935)
O islão é universalista. O
multiculturalismo — no sentido de um ideal de convivência de culturas, todas
com mesmo valor — é um mal menor para os islamistas na Europa. Em minoria, o
multiculturalismo é útil para expandir islão. Quanto ao actual relativismo europeu,
não é partilhado pelo crente muçulmano. Pelo contrário, aceitá-lo seria negar o
próprio islão. (José Pedro Teixeira Fernandes, Público)
Por que razão a questão islâmica é – para o mundo, em particular para
a Europa – muito mais séria do que aquilo que parece ser a um olhar superficial?
Não é por causa dos atentados terroristas, por muito dolorosos que, material e
simbolicamente, eles sejam. O artigo citado em epígrafe ajuda a perceber essas
razões. Vale a pena, contudo, sublinhar dois aspectos que convém ter em mente
sempre que se aborda a questão islâmica.
Em primeiro lugar vem a natureza universalista do islão. Os seus
adeptos, como em tempos os cristãos, não o vêem como uma religião particular ao
lado de outras. O islão é a religião, a única verdadeira religião. Ela superou,
à maneira hegeliana, as limitações tanto do judaísmo como do cristianismo, que
são agora completados e suprimidos pela revelação islâmica. O islão não é
concebida pelos crentes, pelas elites religiosas e políticas, como um
particularismo cultural ao lado de outros particularismos. Esta vocação
universalista – com o desprezo do multiculturalismo, a pobre panaceia tão ao
agrado de certas correntes ocidentais – aliada à tradição político-militar
inerente à história da emergência e expansão da religião do profeta é a fonte
de todos os problemas. Existe a convicção de que se conhece e possui a verdade,
que esta tem um valor absoluto e que é lícito impor essa verdade a quem quer
que seja, pelos métodos consagrados pelo próprio islão, dos quais a violência
não está arredada. Podemos todos olhar para o lado e fingir que isto não
existe, mas muitos milhões de seres humanos acreditam nisso e não mexerão um
dedo para defender o direito de outros a possuírem convicções diferentes.
Em segundo lugar vem a questão do nosso relativismo. A relativização
que fizemos de todos os valores foi a forma de encontrarmos uma convivência
pacífica entre nós. Isso permitiu, antes de tudo, a convivência entre as
diferentes interpretações do cristianismo, e levou, de seguida, à possibilidade
do pluralismo político e, não menos importante, a um pluralismo ético, onde projectos
de vida completamente diferentes existem lado a lado, sem que se sinta a necessidade
de se impor globalmente uma forma de vida verdadeira. Este relativismo, que
caracteriza a modernidade e é visto pelos ocidentais como virtuoso e a fonte da
sua força, é inaceitável pelo islão. Essa não aceitação, por outro lado,
conjuga-se com a suspeita, por muitos sectores muçulmanos, de que essa é uma fraqueza
do ocidente, fraqueza essa que, do ponto de vista estratégico, deve ser
explorada, para que, num futuro mais ou menos próximo, a única religião
verdadeira se possa impor.
O que está assim em jogo é o conflito entre aqueles que crêem estar na
posse de uma verdade absoluta e aqueles que, pela experiência e pelos seus
próprios fundamentos culturais, aprenderam a relativizar as suas crenças, ao
instalar o princípio crítico-racional como motor de todas as crenças. O islão é
um problema não tanto, como se disse atrás, por causa do terrorismo. Este –
como outros terrorismos que já assolaram a Europa – é apenas a face mais
ostensiva e violenta da crença ingénua (não criticada) de que se possui uma
verdade absoluta, a qual deve ser imposta, custe o que custar. Temos um problema que provavelmente será, por muito tempo, irresolúvel.
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