Henri Matisse - Large Landscape, Mont Alban (1918)
Veio, entre os cabelos havia
nuvens, e da boca saíram palavras firmes e bravias como tronos e dominações. Visito
a maldade dos pais na pele dos filhos, disse e depois partiu. A janela
embaciada, a névoa a tocava, descerrou-se. No chão, estilhaços, restos de
garrafas partidas, aqui um gargalo ainda sóbrio, guardanapos de papel ensebados
pela boca, cascas desvairadas pelo trabalho das mãos. Ouvia-se uma melodia no
saguão, mas os sonhos, ainda não pesadelos, eram trevos desfolhados, um caule,
o sobejo da raiz a baloiçar ao vento da tarde, da janela o sopravam.
Toda a matéria da vida, um
jornal rasgado ou uma rosa seca, era um rumor, palavras sussurradas, gestos
inacabados, suspensos no último instante. No horizonte, um vórtice, mas a chama
apagada não se reacendia e tudo era um barco esquecido, desprezado sobre a
pálida areia, a quilha ao abandono, os remos carcomidos, restos de ferragens
estranguladas pela oxidação, a madeira oca pelo sal, a tudo tão cedo infecta. Havia,
tão perto, canaviais, o vento os tocava, e a luz, pois luz era, neles se
escondia, sombreando as tardes onde o sol se punha.
Tomados pelo terror,
cobriram-se de escuridão e deixaram os olhos vagabundear sobre as mesas
cobertas de garrafas de cerveja. As mulheres despiam-se em plena rua e gritavam,
esbugalhando os olhos, abrindo as pálpebras para que a luz negra nelas entrasse
e as tomasse por dentro. Todos caminhavam, na ignorância do jardim, no
esquecimento do bosque ameno onde, como uma anáfora, tinham ano após ano,
aqueles que lhes cabiam em sorte, vindo, para agora, expulsos e com o coração a
escorrer o óleo da dor, entregarem a memória à grande pátria do esquecimento, cantando
visito a maldade dos pais na pele dos
filhos, até que o silêncio desceu sobre as suas bocas e os calou.
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