Alguns pensadores contemporâneos para ultrapassar a clivagem entre conhecimento e acção - clivagem originada na antiguidade clássica mas acentuada na filosofia moderna - propõem a remoção da ideia de conhecimento como um estado da mente e figuram-no como um modo de relacionar coisas, como uma espécie de acção. Este tipo de pensamento não legitima apenas teorias pedagógicas fundadas na ideia de competência (a competência de estabelecer relações, de as analisar, etc.). Ao analogar conhecimento à acção, estas posições permitem que se pense o próprio conhecimento à luz daquilo que constitui a acção.
Quando exploramos, ao nível cognitivo, a aplicação de categorias como a deliberação, o motivo, a intenção, a finalidade ou as consequências, isso ainda é exequível e pouco ou nada problemático. Um projecto de investigação científica contém categorias como as referidas. A questão torna-se mais interessante se transferirmos para o conhecimento a problemática do livre-arbítrio. O conhecimento deixa de ser uma mera representação da realidade na mente, mas uma construção fundada na minha liberdade de escolha. As relações estabelecidas derivam da escolha que o agente cognitivo, digamos assim, entende fazer entre as coisas que pretende relacionar.
A ciência, durante muito tempo, talvez ainda hoje, é marcada pela ideia de necessidade, isto é, as relações estabelecidas entre fenómenos são necessários e respondem a uma dada legalidade da natureza (há casos onde a probabilidade desempenha o papel central, eu sei). Mas se o conhecimento for visto como acção, não é a necessidade que deverá presidir à formação de conhecimentos mas a liberdade, diria a liberdade criativa. Isto permite-nos imaginar a possibilidade de um conjunto de físicas possíveis, por exemplo, dependentes do modo como o agente cognitivo decide relacionar os fenómenos físicos.
Esta maleabilidade cognitiva existe e é muito explorada ao nível da ficção. O que pode ser pertinente questionar é, por um lado, se a ciência não é, também ela, uma ficção dependente do livre-arbítrio humano, e, por outro, se não será possível criar outro tipo de ciência a partir do livre-arbítrio dos agentes cognitivos no agenciamento relacional dos fenómenos. Assim, ao lado da pluralidade das ficções artísticas teríamos também uma pluralidade de ficções científicas, várias físicas concorrentes, várias biologias, etc., que não resultariam da especialização disciplinar, mas das livres decisões dos agentes. O problema está em perceber se a realidade suporta esses exercícios da liberdade.
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