A minha crónica semanal no Jornal Torrejano.
Todos somos cegos para o futuro. Este oculta-se num véu impenetrável. Há,
porém, uma cegueira pior, a cegueira perante o presente, como se este, na sua
cintilação, ofuscasse quem deveria olhar para ele. Os governos de José Sócrates
podem fornecer matéria suficiente para um estudo
de caso deste tipo de cegueira política. Quando Sócrates assume a
governação, existe no governo o pressentimento de que uma desgraça inominável
se perfila no horizonte.
É esse pressentimento que o leva a eleger, em primeiro lugar e numa
lógica utilitarista, os professores do ensino não superior como bode expiatória
do mal cuja sombra começava a pairar sobre Portugal. A finalidade era simples. Os
professores deveriam ser uma espécie de Cristo, cujo sacrifício redimiria o
todo nacional. Mas a cegueira perante o presente não permitiu perceber que essa
ideia absurda não tinha capacidade para penetrar profundamente no corpo da
nação. A queda de Sócrates começou aí, começou na cegueira perante o sentimento
de justiça que habita uma comunidade.
Esta cegueira foi apenas um pequeno sintoma do que viria depois.
Quando a crise se avolumou e começou a desabar sobre todos nós, Sócrates, cego
para o presente, desorientado perante a ameaça, entra num processo de negação
da realidade até que os portugueses dispensaram os seus serviços e lhe permitiram
ir tratar-se para Paris. Este exemplo deveria fazer pensar aqueles que lhe sucederam.
A cegueira tem causas múltiplas. A de Sócrates deveu-se a uma desorientação
global. Mas por vezes a cegueira nasce de objectivos muito claros e definidos,
os quais se tornam uma espécie de sol que ilumina o caminho. Mas o sol não
ilumina apenas, também ofusca. É o que parece passar-se com o actual governo.
Pensando ser radicalmente diferente do anterior, é tão cego para presente como o de Sócrates. Que o
investimento diminua, que o desemprego aumente, que as pessoas desesperem, que
a economia real esteja em vias de desaparecer, nada disto é visto pelos
governantes portugueses.
Há um objectivo ideológico, fundado na valorização da pobreza e da
precariedade, e só isso conta. Passos Coelho e Vítor Gaspar não são profetas,
por isso não têm que prever o futuro. A um governante, porém, pede-se que não
seja cego para o presente. Foi isso que, aqui o lado, fez Mariano Rajoy.
Sócrates pode estar em Paris, mas a sua cegueira perante a realidade presente
foi, como tantas vezes acontece, herdada por aqueles que o derrotaram. Governar
em Portugal parece ser um exercício de cegueira.
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