A minha crónica semanal no Jornal Torrejano.
Contrariamente a gregos e a espanhóis, mesmo a italianos, os
portugueses têm aceitado em silêncio as medidas de austeridade impostas pela troika ou inventados com zelo e
sofreguidão pelo governo. Lê-se muitas vezes que esse silêncio, apesar de
conter alguma indignação, é fruto do medo. Será verdade. Verdade parcial. No
silêncio dos portugueses há também a sabedoria de um povo com nove séculos de história,
de uma gente que já viu e viveu muito, de uma comunidade que se dispersou pela
diáspora e de lá recolheu um saber do mundo e das coisas.
Quando Vítor Gaspar diz que o ajustamento da economia nacional será
mais rápido e mais bem sucedido do que se pensava, as pessoas percebem bem o
que isso significa. Sabem, por experiência secular, que a maioria vai
empobrecer ainda mais, que muitos morrerão mais rapidamente, que os bens
sociais – saúde, educação, protecção no desemprego e na velhice – serão cada vez
piores. Sabem ainda que haverá alguns que irão ganhar muito com o ajustamento
da economia e que o governo – este ou outro – não deixará de zelar pelos
interesses desse pequeno grupo beneficiário da pobreza generalizada.
Se a canção nacional é o fado, isso deriva da mesma fonte de
sabedoria, provém da percepção de um destino sentido como inelutável. Por muito
que liberais e revolucionários falem de iniciativa – privada para os primeiros,
colectiva para os segundos –, os portugueses são velhos demais para se deixarem
iludir. A iniciativa é um luxo que, neste território, sempre se pagou demasiado
caro, por vezes com a vida. Preferem o silêncio.
Fazem-no não por cobardia mas por manha. Durante os nove séculos da
nossa história, aprenderam a competência fundamental que permite sobreviver:
ser manhoso. Isto significa passar despercebido, fingir que não se existe. A
finalidade é simples: esperar que o destino não dê por nós, que a morte ou o
desemprego passe ao lado, que a vida não nos pregue uma partida. Mas tudo isto
não é deplorável e um sintoma de falta de energia e de dignidade? Talvez. Mas
essas acusações só podem vir daqueles que, de alguma forma, se encontram em
alguma área de conforto (e há áreas de conforto insuspeitadas). Quem tem de
chegar ao dia seguinte e não sabe se isso acontecerá está concentrado apenas em
tentar enganar o destino.
Não nos iludamos: o silêncio e o exercício da manha não significam
adesão aos propósitos do governo e das classes sociais que este defende. Na
primeira oportunidade, a maioria silenciosa tirará desforra e vingança.
Lembram-se do PREC em 1975?
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