sexta-feira, 30 de março de 2012

O cavalo do espanhol


A minha crónica semanal no Jornal Torrejano.

As notícias que correm sobre os possíveis aumentos trimestrais de electricidade em Portugal explicam amplamente a razão por que os portugueses são avessos ao liberalismo. Aquilo que diz a doutrina liberal – a liberalização e a concorrência conduzem à diminuição dos preços – sofre, no nosso país, de uma excepção irremediável. Sempre que um determinado serviço, ainda nas mãos do Estado, vai ser privatizado e o mercado liberalizado, a primeira coisa que pensamos é que vamos pagar mais por piores serviços.

Na prática, em muitos dos sectores liberalizados não há efectiva concorrência. Por vezes, apesar de existir mercado livre e um conjunto suficiente de operadores, o que acontece é que os preços são tão semelhantes que a atitude mais racional para escolher o prestador de serviços não é estudar a relação serviços prestados/preço praticado, mas fazer rifas com o nome das empresas e escolher aquela que nos sair em sorte.

No centro da Europa, a liberalização de certos sectores faz sentido, pois existe verdadeira concorrência num mercado com dimensão suficiente para essa concorrência. Em Portugal, a privatização e a liberalização serve apenas para criar uma espécie de monopólio, mais ou menos disfarçado, que suga os indígenas e distribui, a esses verdadeiros empresários sem risco, uma renda escandalosa. A única coisa que parece estar sujeita às leis do mercado, no nosso país, é a mão-de-obra. A concorrência é tanta, o desemprego é tal, que o trabalho está em contínua desvalorização.

A lógica da economia portuguesa é deveras interessante. Tudo está organizado de forma a que as pessoas ganhem cada vez menos e paguem cada vez mais pelos serviços essenciais à sua existência. Neste momento, as elites económicas e políticas da pátria estão empenhadíssimas a tratar a população como o espanhol tratou o cavalo. Há que emagrecer. Emagrecer significa ganhar cada vez menos e pagar cada vez mais.

Segundo consta, as coisas correm bem. Os portugueses não protestam pelo emagrecimento a que estão a ser submetidos. Colaboram e, vaidosos, desejam ardentemente fazer dieta. Sacrificam-se para estar na linha e permitir aos nossos pobres empresários, aqueles que são avessos e inimigos do risco, lucros fabulosos para poderem ir, os pobres, ao ginásio e também eles manterem a linha. Quando os portugueses tiverem aprendido a não comer, as nossas elites rejubilarão. Não sei se alguém já pensou no resultado da aplicação da história do cavalo do espanhol à economia portuguesa.

2 comentários:

  1. Ah, o dono do cavalo era espanhol...? Cá para as minhas bandas fala-se no 'cavalo do inglês' (e ainda ontem, lá no meu canto, falei nisso).

    Por via das dúvidas, daqui para a frente vou falar no cavalo do alemão.

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    1. Por aqui sempre ouvi que o cavalo era do espanhol. Parece que há várias versões. Inclusive a do burro do espanhol. Portanto, cada um serve-se da que estiver mais à mão.

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