Júlio Pomar - da série Os Tigres
Milhares de anos de religião, de moral e de leis e, no entanto, ainda precisamos do exorcismo trazido pela arte. Mandamentos, imperativos e códigos penais têm a missão de esconder o animal que somos. Vivem da esperança de que o medo o faça regredir ou, no mínimo, o contenha naqueles limites que o tornem aceitável. A arte tem a vantagem de mostrar. Essa visão é um exercício de exorcismo, devido ao confronto do olhar consigo mesmo. Este quadro de Júlio Pomar, por exemplo, funciona como um espelho. Olho e vejo e o animal que há em mim. Os tigres magníficos - seja o da floresta nocturna do poema de Blake, seja o dos quadro de Pomar - são tigres humanos, emanações vindas da profundeza da nossa alma, retratos do espírito, umas vezes, outras meros ideais reguladores das nossas ambições. O exorcismo proporcionado pela arte não visa, todavia, expulsar para longe de nós, como se fora um espírito imundo, o animal. Pelo contrário, o seu objectivo é colocá-lo à nossa frente e ao nosso lado. Só assim podemos aprender a viver com ele. De certa forma, todo o quadro, e por extensão toda a obra de arte, é um espelho onde vejo de mim aquilo que nenhum espelho pode mostrar, como ensina de forma tão explícita a pintura de René Magritte. É o contrário da fonte onde Narciso se viu; o exorcismo trazido pela arte é um exercício de desconstrução de si. A arte não serve para me cultivar ou para me tornar mais interessante, serve para me ensinar a morrer, mostrando-me no que não me quero ver.
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