sexta-feira, 30 de março de 2012

Do falhar da vida


Este melancólico post da Ivone, ela que me perdoe, estriba num equívoco. Não há qualquer evidência axiomática que a vida seja uma coisa onde se possa falhar ou ter sucesso, para falar ao gosto do espírito do tempo. Não sendo um axioma, poder-se-ia estar perante uma tese. Mas não se vê como justificar a tese, tal como ela decorre da citação d'Os Maias ou na extensão que a Ivone faz a si mesma. A coisa é muito pior do que se possa imaginar. A vida é algo que não se pode falhar nem deixar de falhar. Ela apenas acontece. Olhamos para nós e dizemos: Falhaste a vida, menino. Mas a vida ri-se e continua a acontecer imperturbável e indiferente à nossa monomania avaliativa. Se a melancolia tem um lugar na vida, esse não se deve ao facto de a falharmos, mas à pura impossibilidade de a falharmos ou de nela ter sucesso. Ela acontece, simplesmente. Pior, ela acontece-nos e é sempre mais forte do que aquilo que somos, todos e cada um, capazes de suportar. 

3 comentários:

  1. Pronto, meu amigo caríssimo, para além da síndrome do final d'Os Maias, fico a saber que sofro também de monomania avaliativa.
    Claro que a vida nos acontece. Uma coisa é, porém, aquilo que esse acontecer integra: as escolhas e as decisões pessoais, por um lado; por outro, o puro acaso, a tuchê dos gregos. É das primeiras que falo e das quais nada mais posso fazer do que assumir plena responsabilidade.
    Obrigada pela tua atenção às minhas divagações.

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    1. Lamento imenso, mas a monomania avaliativa não é um especificidade da Ivone. É uma doença colectiva, à qual ninguém escapa, que se insinuava no final d'Os Maias, mas que deriva de Sócrates (uma vida não examinada não merece ser vivida). Ora também eu, quando escrevi o post, falava das primeiras, das escolhas e decisões pessoais, bem como da responsabilidade perante escolhas e decisões. Serão as nossas decisões e escolhas, apesar da deliberação, menos casuais do que aquilo que acontece ao acaso? Há um problema com o livre-arbítrio que o torna obscuro: nós temos a sensação que escolhemos, mas nunca nos é permitido fazer a prova efectiva dessa escolha, isto é, voltar atrás e fazer outra escolha. Voltando a Os Maias, o "Falhámos a vida, menino" é uma estratégia de legitimação da ficção romanesca. Não há romance sem esta sensação de falência. Voltarei a este tópico.

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  2. Volta a este tópico, Jorge, volta a todos estes. A (eventual) casualidade das escolhas, que tudo levaria a crer estarem assentes na ponderada deliberação, tem muito por onde dissertar :)

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