A minha crónica semanal no Jornal Torrejano.
Há dias o jornal ionline
noticiava que o banco alemão Sparkasse
Chemnitz tinha lançado um cartão de crédito com a reprodução do busto de
Karl Marx, o pai fundador do comunismo. O banco alemão não virou comunista, continua
profundo adepto do mercado. Como o mercado – isto é, as pessoas que o compõem –
em que opera vive nostálgico dos tempos da República Democrática Alemã, o banco
tomou uma decisão racional. Um cartão de crédito que, ao simbolizar o passado
comunista, chama muita gente a abrir conta.
Um leitor mais entusiasta poderia ver neste acontecimento o prenúncio de
uma reviravolta política no mundo, com as pessoas a virarem os corações para o
vermelho. Pura ilusão de óptica. A iconização de Marx como agente de vendas de um
banco é o sinal claro e definitivo da sua morte política (não da sua morte como
pensador dos problemas económicos, sociais e políticos). Se o comunismo e as
ideias marxistas representassem um perigo efectivo para a estabilidade
capitalista, nenhum banco se atreveria a fazer o que Sparkasse Chemnitz está a fazer.
Há duas coisas que podemos aprender, ou recordar, com este caso. A
primeira é que o mercado está aberto a tudo. Desde que se possa vender e
comprar livremente, praticamente não há entraves. De Jesus Cristo a Che
Guevara, passando por Lenine ou Marx, talvez a própria mãe, se não der prisão. Desde
que sirva como mercadoria lucrativa, tudo pode tornar-se em bem transaccionável.
Deste ponto de vista, o mercado não é ideológico. O comunismo, se servir para
ganhar dinheiro, é óptimo para os mercados. Dirá o leitor que estou a exagerar.
Não estou. Os mercados não estão nada preocupados com o comunismo chinês. Pelo
contrário, são adeptos incondicionais. O verdadeiro perigo de uma sociedade de
mercado está, porém, aqui. A desideologização dos mercados leva-os a aceitar as
piores práticas políticas e sociais desde que o mercado funcione.
Ligado a isto está a completa ausência de princípios. Melhor, a
redução de todos os princípios a um único: é bom aquilo que tem valor no
mercado. O bem fica reduzido ao lucrativo. Quando certos pensadores de direita
ligam a economia de mercado à democracia política estão pura e simplesmente a
dizer uma mentira. Os mercados só estão interessados na democracia política e
no respeito pelos direitos humanos se isso for lucrativo. O seu amor pelo
regime totalitário chinês ou pela ditadura de Pinochet e o medo terrível que
têm tido da vontade democrática dos gregos bastam para demonstrar a tese.
Pobre Karl Marx. De autor de O Capital
passou a vendedor de capital.
Curiosamente, numa declaração feita há tempos, a uma revista de grande tiragem, inserida no contexto da crise financeira, um membro do governo alemão afirmou que: “Certas partes da teoria de Marx não estão erradas, como a que se refere à autodestruição do capitalismo por causa da sua avidez”.
ResponderEliminarEsperemos que ambos tenham razão.