16. Agnus Dei
Chegado a terra, sem mapa para te orientares,
Murmuras um cântico, palavras sombrias,
A melodia seca, sem fogo ou nome,
O timbre de ferrugem,
A velha elegia dos dias santos de guarda:
Saías para as ruas e andavas perdido,
De casa em casa, soletrando a crueldade,
No esconso coração havia.
Falta-te a audácia desses dias.
Saltavas muros e incendiavas o restolho,
Deixavas a realidade vir pela porta,
E trancava-la em casa,
Espancando-a ao ritmo do coração,
Uma espiral de violência,
A breve reconciliação de rosas e nuvens,
O encontro de um caminho ao respirar.
Temível é amar alguém
que se subtrai à hora do amor,
E te deixa em chamas, lacerado,
A gotejar pelo chão,
Enquanto as moscas voam
e poisam na fonte, tudo floresce.
Anjos irados vêm em alvoroço,
Trazem o ferrão, uma marca de cera,
Inscrevem-te na pele a dádiva da loucura.
A cidade sitiada não sarará
E no sacrifício das horas não há flor
Que tenha a sua primavera.
Falta-te o antigo sopro divino,
E se avistas as cúpulas da catedral,
Ouves o restolhar dos pombos
E o barulho oscilante dos sinos.
A paz do cordeiro chega,
Envolta num grito de crisântemos:
Um amor perdido na morte encontra o silêncio,
A carne entregue ao ritmo da inocência.
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Missa Pro Defunctis é um ciclo de poemas escrito em Setembro e Outubro de 2011. É constituído por 21 poemas e pretende ser uma meditação poética sobre a nossa situação actual, meditação que acompanha a estrutura de um Requiem na tradição religiosa católica. Será publicado integralmente neste blogue nos próximos tempos, embora sem periodicidade diária ou qualquer outra.
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