quinta-feira, 21 de junho de 2012

Missa Pro Defunctis (XIV)

14. Sanctus

O capim ardido jaz soterrado.
Um dia ergueu-se e a verdura,
Naquele verde havia,
Intumesceu, dilatou, explodiu
Em tons de castanho e laranja,
Um cambiante de cinza,
A praia tépida do outono:
Sanctus, Sanctus, Sanctus,
Dominus Deus Saboath.

Cansados dessa beleza,
Os exércitos entregam-se ao urânio.
Balas de cotim semeiam flores,
Pródigos jardins nunca vindimados.
Os soldados, unidos ao destino,
Pequenos barcos no mar,
Oscilam, inclinam-se e cantam
O silencioso tumor da madrugada.

Nas ruas brincam crianças.
O esperma enriquecido poisou,
Glorioso pela radiação,
Pólen em óvulos vibrantes,
Sequiosos e ávidos de amor:
Abençoado aquele que não sabe
O nome do senhor.

Da escarpa soltou-se o corvo
E um projéctil iluminou os ares,
Flash de seda fotográfica,
Cintilou, entardeceu, fez-se noite:
Os homens entoaram um cântico
– Hossana nas alturas –
E tudo adormeceu sob a luz
Pura, vermelha, estrela no céu.

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Missa Pro Defunctis é um ciclo de poemas escrito em Setembro e Outubro de 2011. É constituído por 21 poemas e pretende ser uma meditação poética sobre a nossa situação actual, meditação que acompanha a estrutura de um Requiem na tradição religiosa católica. Será publicado integralmente neste blogue nos próximos tempos, embora sem periodicidade diária ou qualquer outra.

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