A minha crónica semanal no Jornal Torrejano.
Um dia, talvez em meados da década de oitenta do século passado,
perguntaram ao poeta Joaquim Manuel Magalhães se a palavra revolução ainda era
aquela que mais odiava. Não, respondeu ele. A palavra que então mais desprezava
era pedagogia. Estou a citar de memória, uma memória antiga, mas julgo ser fiel
ao espírito do que foi dito. Há palavras que podem ser odiadas por aquilo que
denotam, outras pela sua sonoridade, outras pelo uso que delas fazem. Neste
caso, podem ser consideradas aquelas que eram objecto de ódio pelo poeta. Após
o 25 de Abril, a palavra revolução gastou-se. Era usada por tudo e por nada.
Perante a ausência de uma política invocava-se o santo nome da revolução.
Como professor, tive direito a viver a época da palavra pedagogia, que
ganhou incremento notável com a Reforma Roberto Carneiro, no tempo do Prof.
Cavaco como primeiro-ministro. Com o engenheiro Sócrates, a escola e a
sociedade portuguesa foram inundadas com uma nova palavra mágica. Avaliação.
Avaliação de professores, avaliação de escolas, avaliação disto e daquilo. A palavra
avaliação era o grande remédio para todos os males que nos afligiam. Despedida
a ministra Rodrigues e despachado o engenheiro Sócrates para Paris, o pobre
vocábulo lá voltou para as páginas do dicionário, onde um grupo de desocupados o
tinha ido buscar para salvar a pátria.
Hoje a palavra salvífica é empreendedorismo. Passos Coelho reluz ao
pronunciar a palavra e há já um coro de figurantes para salivar quando ela é
pronunciada. Não há cão nem gato que não dê ou frequente cursos de
empreendedorismo, desde as faculdades até às iniciativas paroquiais mais ou
menos diletantes. Eis a nova palavra que devemos odiar com toda a força. Quando
a oiço, eu que sou por natureza pacífico, começo a sentir uma súbita vontade de
dar pontapés. Odiar a palavra empreendedorismo – como odiei a palavra pedagogia
e a palavra avaliação ou Joaquim Manuel Magalhães, a palavra revolução – é um
dever de todos os portugueses que queiram permanecer saudáveis.
Criar empresas e ter iniciativa é muito importante, bem como a
pedagogia, a avaliação ou a revolução são coisas sérias. O problema é quando
estas palavras são transformadas em fetiches usados pelos políticos para
ocultarem a sua vacuidade, a impreparação, a notória incapacidade para
governar. Quando Passos Coelho fala em empreendedorismo não está a dizer nada
nem a empreender seja o que for. Utiliza uma palavra mágica à espera que se dê
um milagre que transforme Portugal no país que ele imaginou. Mas, como sabemos,
não haverá milagre.
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