A minha crónica semanal no Jornal Torrejano.
Na estranha acalmia que percorre o país, nessa dorida indiferença
pelos que perdem o emprego, vão à falência ou partem para outras paragens,
nesse temor silencioso perante a má-sorte que, entre dentes, soletra, como se
fosse um mantra, só espero que passe ao lado, só espero que passe ao lado…, em
tudo isso há uma estranha confissão. A confissão da nossa complacência, da nossa
resignada aceitação, da nossa colaboração em tudo o que se passou.
Se exceptuarmos as pessoas que estão envolvidas na política, não há
ninguém que não vitupere os governantes, sejam nacionais ou locais, que não
aponte os vícios e os desmandos, que não saiba de consciência clara do pouco
respeito com que o bem público foi tratado. Tudo aconteceu perante os nossos
olhos, feito quase sempre dentro da lei, de uma lei que se foi distanciando dos
nossos juízos morais, que se foi tornando, com o passar do tempo, cada vez mais
iníqua.
O bom-senso que nos ia segredando que tudo isto ia acabar mal, que nos
ia dizendo que não era possível ver morrer a indústria, a agricultura e as
pescas e, ao mesmo tempo, ver crescer a ostentação da riqueza, esse bom-senso
que deveria ser a virtude primeira dos governantes, e que não o foi, é agora
aquilo que remete para o silêncio envergonhado com que os portugueses passaram
a encarar a existência.
Há uma enorme sensação de cumplicidade. Não foi a generalidade dos
portugueses que viveu acima das possibilidades, foram alguns. Não foi a
generalidade dos portugueses que fez tráfico de influências, foram alguns. Não
foi a generalidade dos portugueses que tratou a coisa pública como couto
privado, foram alguns. Mas todos nós pressentíamos que as coisas iam mal, muito
mal. No entanto, ficámos calados a ver o que acontecia. Encolhíamos os ombros –
talvez a coisa não nos caísse em cima – e, quando chegava a altura, lá íamos,
meninos bem comportados, pôr o papelinho na urna e escolhíamos os que viriam
continuar o trabalho de destruição do bem comum.
Os portugueses em geral não pecaram pelo que fizeram. Pecaram por
omissão. Tínhamos o dever de fazer frente às elites políticas e sociais
degeneradas, irresponsáveis e incompetentes. Calámo-nos e deixámos correr o marfim. Ele correu.
Agora chegou a altura de pagar a conta. E quando a conta é grande, não são
aqueles a quem deixámos destruir o país que vão pagar. Esses nunca estão
disponíveis. Somos nós, essa maioria silenciosa, que recebemos a factura e que,
quer queiramos ou não, iremos pagar com língua de palmo. Resta um ensinamento
teológico: não há coisa pior que pecar por omissão.
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