domingo, 24 de junho de 2012

Missa Pro Defunctis (XV)

15. Benedictus

Falo-vos do nascimento da indústria,
Do pó de carvão, das máquinas a vapor,
A elegia tecida pelos teares mecânicos
Sobre a floração das figueiras,
Aquelas de figos negros e doces,
Quase esquecidos,
Quase bebidos,
Na reentrância da tua boca.

Tenho uma toga, negra toga, serei juiz?
Passeio pela tarde os cães,
Sorrio a quem passa
E olho, enigmático, o resplendor das horas:
Bendito o que vem em nome do senhor.

Naquele tempo julgava os homens.
Ao longe, a indústria crescia em terrenos baldios,
As ervas enegreciam, árvores mortas,
Cogumelos esventrados pelo solo,
Ratos secos, coelhos despelados,
O esqueleto vazio de um animal morto em vão.
As minhas sentenças, terríveis eram,
Sabiam ao cheiro dos cães,
Quando suados, atravessam a casa,
Sacodem o pêlo e deixam a língua pender.

Quem transporta o andor, nada leve,
Do teu nome aos ombros?
Ó a misericórdia da indiferença,
O doce sabor da ignorância,
A glória eterna do esquecimento:
Bendita sombra escorraçada.
A melancolia, espelhada pelo rio, enlaça os barcos,
E estes deslizam tristes e solenes,
Acompanhados pelos cães,
Um coro de gente inútil aos remos.

Sento-me para ouvir a engenharia nascente.
Falam, pela frívola manhã, a defesa e a acusação,
E eu como figos, sonho com a tua boca,
Os lábios inclinados para o meio-dia,
A indústria desses olhos presos aos meus,
A máquina a vapor,  promessa de um coração,
O naufrágio irremediável nas águas do rio.

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Missa Pro Defunctis é um ciclo de poemas escrito em Setembro e Outubro de 2011. É constituído por 21 poemas e pretende ser uma meditação poética sobre a nossa situação actual, meditação que acompanha a estrutura de um Requiem na tradição religiosa católica. Será publicado integralmente neste blogue nos próximos tempos, embora sem periodicidade diária ou qualquer outra.

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