A minha crónica semanal no Jornal Torrejano.
Estudar filosofia é coisa desconcertante e não admira que o poder
político não nutra especial afecto pelo exercício. Um dos ramos da minha
educação filosófica dá pelo nome de hermenêutica da suspeita. Em linhas gerais,
essa esdrúxula designação remete para a interpretação de um texto ou de um
comportamento. Mas essa interpretação não se fica por aquilo que a mensagem
aparenta dizer. Quando leio um texto ou analiso um comportamento humano
pergunto sempre o que se esconde por trás deles. Que coisa aquele texto ou
comportamento querem dissimular, que realidade se oculta sob o véu da
aparência?
Um dos comportamentos mais bizarros deste governo reside no uso, pelos
seus membros, de um emblema na lapela. Há muito que passou o fervor que levava
as pessoas a usarem um emblema da pátria, do partido, da religião ou do clube
de futebol na lapela. Hoje em dia, ninguém usa qualquer tipo de emblema. Muito
menos pessoas que, como acontece com os membros deste governo, se identificam socialmente
com os sectores mais elitistas do
país, que abominariam ter de usar qualquer tipo de emblema.
Que mensagem pretende o governo passar? A primeira, um verdadeiro acto
falhado que parece dar razão ao bispo Torgal, apela para ideia, tão querida de
Salazar, de união nacional. O governo quer convencer-nos de que a sua política
não resulta de uma opção partidária – por certo legítima, mas partidária – mas
de um desígnio nacional. Não estou a dizer que o governo é salazarista ou
adepto de uma ditadura. Não é uma coisa nem outra, mas está a apelar a um
imaginário utilizado por Salazar e que julga ser do agrado dos portugueses. A
segunda mensagem, complementar da primeira, pretende mostrar que o governo, num
tempo de globalização e onde o dinheiro não tem pátria, é profundamente
patriótico.
O que se esconde atrás do emblema? O que pretende o governo
dissimular? O que justifica esta aparente obsessão com a bandeirinha de
Portugal usada por pessoas que devem odiar ter um emblema ao peito? O que se oculta
é o reverso daquilo que se pretende mostrar: esconde-se que há outras políticas
possíveis e que poderiam servir Portugal. Fundamentalmente, esconde-se que este
governo é o representante não dos portugueses, mas dos interesses estrangeiros
que se estão a apoderar do que nos resta da nossa herança. O governo da
bandeira ao peito foi o que vendeu a EDP a uma companhia estatal chinesa ou que
dobra a cerviz, subserviente, na presença da senhora Merkel. Os emblemas servem
para isto mesmo: esconder a realidade, dissimulá-la e perverter a consciência
que temos dela.
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