sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Europa, uma guerra religiosa


A minha crónica desta semana no Jornal Torrejano.


Na situação europeia e nos problemas da dívida soberana raramente percebemos mais que a superfície dos acontecimentos. Alguns países não conseguiram conter as suas despesas e fizeram disparar os défices públicos. Estamos perante um conflito económico, onde, e não por acaso, os juízos morais (gastadores, preguiçosos, etc.) são mobilizados para fins políticos, numa acção punitiva contra os países em dificuldades.

Se desviarmos o olhar do mundo europeu para o médio-oriente descobrimos, espantados, que sunitas e xiitas estão em conflito aberto desde o século VII. Uma guerra religiosa que  não abranda há quase catorze séculos. Perante este facto, muitos de nós darão graças pelo nosso grau civilizacional, pois os conflitos religiosos que atingiram a Europa nos séculos XVI e XVII estão sanados. Católicos e protestantes convivem pacificamente, guardados pelo culto da sagrada tolerância.

Se olharmos os países da Europa que estão em situação difícil descobrimos uma estranha divisão. Por um lado, a Grécia (ortodoxa), Portugal, Irlanda, Espanha, Itália e Bélgica. Por vezes, sussurram-se os nomes da Áustria e de França. Todos estes países têm em comum o serem católicos. As vozes mais críticas pertencem, por outro, a países protestantes. A visão idílica da tolerância confessional, fundada na separação da Igreja e do Estado, de repente, mostra a sua ingenuidade.

O que se está a passar na Europa é uma guerra religiosa por outros meios. O conflito entre o cristianismo tradicional (católico e ortodoxo) e o puritanismo subjectivista protestante nunca deixou de existir. Tomou sempre novas roupagens. A actual é a de um conflito económico com consequências políticas, mas o que está em jogo são duas visões do mundo, da vida e da própria religião cristã.

Só isto explica duas coisas. Primeiro, a crítica moral do comportamento dos países em dificuldades, crítica essa que não passa de ostentação da superioridade moral do puritanismo protestante. Segundo, o fanatismo protestante expressa-se na imposição política do ordo-liberalismo alemão. Na actual política alemã, existe um espírito de missão evangélica que pretende converter à força os países onde ainda se faz sentir a influência da tradição, seja esta ortodoxa ou, ainda pior, papista. O que está em jogo não é apenas o dinheiro, mas as formas de vida dos povos. Este conflito a que se assiste na Europa tem profundas raízes na história. Data pelo menos do séc. XVI. Não somos melhores que os muçulmanos.

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